Aviso
Dia 04/12 será nossa ultima aula de campo aonde iremos visitar o Museu da Senzela.Espero que todos possam estar presente e prestigiar esse momento cultural.
Este blog foi criado para todos aqueles que, desejam embarcar em uma grande viagem histórica, viagem essa que não tem um ponto de chegada,e que para compreendermos como se dar a decolagem precisamos nos remeter a estação inicial.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Aula de campo!
Olá pessoal espero que todos estejam preparados para nossa segunda aula de campo que será no Teatro José de Alencar no dia 27/11 ( Sabádo) ás 14 horas.
Contamos com a presença de todos!!
Contamos com a presença de todos!!
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Aula de campo!!
Espero que todos tenham gostado de nossa primeira aula de campo que aconteceu no Museu do Ceará. Agora é o momento que nos podemos compartilhar nossas informações e trocarmos pontos interessantes que observamos em nossa visita.
AVISO!!
Hoje ás 19 horas acontecerá no Espaço Cultural da ADUFC - Sindicatos o lançamento do livro " História da Educação nas trilhas da pesquisa" de autoria do professor José Gerardo Vasconcelos. O professora Ari e outros convidados estarão presentes para falarem da obra de outros assuntos. Estão todos convidados para prestigiar esse momento.
Contamos com a presença de todos!!
Contamos com a presença de todos!!
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Mensagens!!
"A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca (...)".
(Pedagogia da Autonomia, 1997.)
“A pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da história e de seu papel nela. Recusa acomodar-se, mobiliza-se, organiza-se para mudar o mundo.”
(Cartas à Cristina, 1994.)
“Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.”
(Pedagogia da Indignação, 2000.)
(Pedagogia da Autonomia, 1997.)
“A pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da história e de seu papel nela. Recusa acomodar-se, mobiliza-se, organiza-se para mudar o mundo.”
(Cartas à Cristina, 1994.)
“Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.”
(Pedagogia da Indignação, 2000.)
VALE A PENA LER!!!!!!!!
HISTÓRIA POPULAR E MEMÓRIA COLETIVAi
José Carlos Barreiro
RESUMO
José Carlos Barreiro
RESUMO
Desde fins dos anos 70 do século XX venho ensinando História do Brasil do século XIX para
alunos do Departamento de História da Unesp, Campus de Assis. Uma das principais atividades
do curso é o desenvolvimento de pesquisas em sala de aula, na Biblioteca e no Centro de
Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP). Desta experiência originou-se um Grupo de
Pesquisa financiado pelo CNPq, com alunos de graduação. O principal objetivo deste artigo é
registrar as principais etapas da formação desse grupo.
PALAVRAS CHAVE: História Popular; Ensino; Pesquisa
ABSTRACT
Since the end of seventeen years of twentieth century, I have been teaching Nineteenty Century
Brazilian History for students of History Department at University of São Paulo (Unesp - Assis).
One of the main activities of the course is the development of research with students in the
classroom, in the Library and in the local Documentation Center (CEDAP). The good academical
results of that experience originated a Research Group with undergraduated students. The main
objective of this article is to talk about that work experience.
KEY WORDS – Popular History; Research; Teaching History
O objetivo deste artigo é o de registrar a experiência de formação de um grupo de
pesquisa composto por alunos do curso de graduação em História, do Departamento de
História da Unesp, Campus de Assis. A idéia surgiu como desdobramento das atividades que
eram desenvolvidas anualmente durante o curso que ministrava, de História do Brasil,
abrangendo o período da transição da fase colonial para a imperial, chegando até a crise do
Império brasileiro em fins do século XIX. Uma das tarefas que mais atraía e motivava os alunos
matriculados do curso referia-se às atividades de pesquisa que eram desenvolvidas ao longo do
ano letivo. Tais tarefas envolviam uma preparação prévia, que compreendia leituras específicas
e temáticas abrangendo todo o período do curso, além de leituras e discussões de textos de
natureza teórica e metodológica, que pudessem orientar os alunos numa definição de temas de
pesquisa para serem trabalhados junto ao CEDAP (Centro de Documentação e Apoio à
Pesquisa) e à Biblioteca do Campus. A esta fase sucedia-se a visita dos alunos ao Centro de
2
Documentação e à Biblioteca, onde pesquisavam em grupo as mais diferentes coleções de
documentos lá existentes, dentre as quais, as coleções de periódicos, de relatórios de ministros,
chefes de polícia, de presidentes de província, além de alguns autos de devassas de
insurreições ocorridas no Brasil ao longo do século XIX. Os temas de pesquisa eram definidos
e problematizados previamente pelos grupos mas geralmente eles se transformavam no contato
com a documentação. Toda a experiência de pesquisa do grupo, incluindo dificuldades e
descobertas importantes, era socializada e amplamente discutida em sala de aula. O texto da
pesquisa ia se estruturando aos poucos, ao longo do semestre, recebendo os grupos
acompanhamento e orientação individual, ministrada dentro e fora de sala de aula.
Além da autonomia intelectual que ia aos poucos adquirindo em virtude da necessidade
de buscar documentos históricos e bibliografia para desenvolver o tema de sua própria escolha,
o aluno vivia o prazer da descoberta e da produção do conhecimento. Desenvolvia ainda a
noção segundo a qual aula não podia se restringir ao espaço da sala, sendo também a
Biblioteca e o Centro de Documentação espaços fundamentais para a sua própria formação.
O sucesso dessa experiência (que continua se desenvolvendo regularmente nos cursos
que ministro) e a necessidade de melhor articular o curso de graduação com o programa de
pós-graduação desenvolvido no Departamento de História levou-me a selecionar alguns dos
melhores alunos do curso de graduação para desenvolver trabalho similar, mas em um grupo
menor do que uma sala de quarenta alunos. Nesse sentido, durante o período de 01/08/91 a
01/07/92 obtive junto ao CNPq seis Bolsas de Iniciação Científica, renovadas para o período de
01/03/93 a 28/02/94, para desenvolver pesquisa sob o título Gestualidade, História Cultural e
Memória Coletiva no Brasil Império, 1780-1880.
Antes mesmo da obtenção dos recursos do CNPq, fiz a seleção dos alunos e iniciei com
eles uma discussão para a elaboração do projeto de pesquisa. Definimos o tema a partir dos
assuntos que mais haviam interessado os alunos nos últimos anos de experiência de pesquisa
no curso de História do Brasil. Havia sempre um interesse muito grande de se investigar melhor
a hipótese segundo a qual as classes subalternas no Brasil do século XIX não foram
expectadoras passivas, mas co-participantes decisivas nas transformações econômicas,
políticas e sociais ocorridas nesse período. Começamos então a fazer leituras que justificassem
a importância de nossa proposta.
Nosso ponto de partida para a justificativa da importância da proposta foi a constatação
de que uma das tarefas fundamentais da historiografia em relação ao Brasil do século XIX,
consistia ainda em ultrapassar as análises que descreviam as relações sociais vistas a partir de
"cima". Na antiga tradição dos Institutos Históricos, não inteiramente superada entre nós, a
3
Casa Grande e seu patriarca impunham-se de forma persuasiva e soberana, fazendo
prevalecer a idéia da "sociedade de uma só classe" ii. Um passo significativo para a mudança
dessa perspectiva foi dado por alguns autores que inauguraram entre nós um trabalho de
interpretação crítica fundamentado no materialismo histórico, tornando com isso mais
significativa a presença das camadas populares nas análises historiográficas. O caso mais bem
sucedido era o de Caio Prado Júnior, autor que exerceu profunda influência sobre os estudos
sociais desde os anos trinta, e continua, como obra clássica, a ser leitura obrigatória para todos
os estudiosos de história do Brasil. Nos anos sessenta, Emília Viotti reforçou a tendência de
superação das análises centradas no "senhor" e seu clã, ao produzir um dos livros mais
importantes sobre a escravidão iii e também por suas reflexões instigantes sobre o movimento
de emancipação política de l822 iv.
Todavia, em nossas discussões havia a convicção de que o avanço promovido por
essas análises na direção de uma "História popular", ficava em grande parte comprometido em
virtude das mesmas definirem a ação política e as mentalidades desses agentes sociais a partir
única e exclusivamente do Estado e dos demais canais institucionais a ele ligados. Ao aferirem
a ação política das camadas populares a partir da referência institucional apenas, os autores
acabavam minimizando aquilo que em suas obras se anunciava como possibilidade fértil de
recuperação da memória histórica desses agentes sociais, por não encontrarem outro caminho
senão o de caracterizá-los como politicamente atrasados v. A ênfase no institucional equivalia a
considerar a ação política das camadas populares apenas a partir das chamadas "ideologias
derivadas" ou sistemas "mais estruturados" de idéias (Estado, Direitos do Homem, Laissez-
Faire, partidos, sindicatos, etc.), perdendo-se com isso a possibilidade de reconstituir a
experiência em termos amplos (fé religiosa, impulsos milenaristas, antigos costumes, festas,
relações familiais, regras visíveis e invisíveis da regulação social) desses segmentos sociaisvi.
O suposto do atraso impossibilitava trabalhar com a hipótese das "camadas populares" como
portadoras de práticas sociais que não eram nem atrasadas, nem adiantadas, mas complexas,
específicas e ambíguas.
Estas reflexões indicavam a existência de um procedimento parcelar em relação à
análise das "camadas populares" no Brasil do século XIX. Tal procedimento impedia a
apreensão em sua inteireza do universo mental desses segmentos sociais. A sua projeção
como agentes históricos só poderia ser percebida a partir de elementos que transcendessem a
esfera das "ideologias derivadas", vinculadas à "cultura erudita" e aos sistemas estruturados de
idéias. Seria preciso, portanto, reconstituir a história das "camadas populares" considerando-se
o caráter gestual e oral de sua própria cultura. Até porque, na temporalidade histórica que se ia
4
delineando no projeto (a transição da Colônia para o Império até fins do século XIX), as
mentalidades e sensibilidades coletivas populares estavam basicamente remetidas à
transmissão oral dos costumes de uma para outra geração. Portanto, neste período, a cultura
gestual definia práticas, cimentava sociabilidades e prescrevia comportamentos.
Refletimos ainda que não poderíamos incorrer no erro de postular a reconstituição
histórica das "camadas populares" apenas a partir da oralidade, sob pena de novamente
incorrermos na visão fragmentada das configurações de vida de um grupo social. Nem
tampouco "ideologias inerentes" (cultura popular) e "ideologias derivadas" (cultura erudita)
deveriam ser concebidas como separadas por uma fronteira rígida. Fomos adquirindo clareza
sobre a necessidade de se questionar sempre qualquer caracterização global e unitária que
fizesse distinções rígidas entre o popular e o erudito. Ao contrário, seria preciso tentar recuperar
as circulações fluidas, as práticas compartilhadas, enfim, as clivagens e tensões constituídas
por tais relaçõesvii.
Na verdade, com aquelas discussões o que estávamos propondo era recuperar o que
talvez fosse um dos aspectos mais fascinantes do estudo das mentalidades populares, isto é, o
cruzamento das ideologias e formas de pensamento "menos estruturadas" baseadas na
experiência direta, na tradição oral, na memória folclórica, com os sistemas "mais estruturados"
de idéias ou as chamadas "ideologias derivadas". Imaginávamos que se fosse possível analisar
esta complexa combinação, talvez se pudesse chegar a um outro entendimento, por exemplo,
em relação à participação popular nas insurreições do século XIX. A retradução, a partir da
experiência cultural própria das classes subalternas, de todo um universo intelectual da cultura
letrada, certamente possibilitou a emergência de quadros mentais específicos que estiveram
presentes em todos os movimentos com participação popular, mas que nós até agora não
conseguimos reconstituir. Contudo, pensávamos que para a superação da visão parcial e
fragmentada que até agora havia sido construída sobre as "camadas populares", seria
necessário voltarmos nossos olhos para as fontes históricas e para os espaços sociais capazes
de propiciar a reconstituição do mundo da oralidade no Brasil do século XIX.
BALIZAS CRONOLÓGICAS
Definimos como balizas temporais do projeto, o período de 1780 a 1880. Nos anos
oitenta do século XVIII iniciava-se vigorosamente o processo de descolonização que culminaria
com a emancipação política e o início da formação do Estado Nacional brasileiro. Era um
momento em que as lutas sociais e os movimentos com participação popular intensificavam-se.
5
Tratava-se, portanto, de um momento privilegiado para se poder perceber em que medida as
tradições populares gestuais e orais compunham ou não dos movimentos sociais préemancipacionistas.
Por outro lado, os anos oitenta do século XIX pareciam indicar o início de uma nova
sensibilidade histórica derivada da decadência ou remodelagem de espaços tradicionais cujas
práticas sociais eram em grande parte assentadas na cultura oral. O desaparecimento e a
substituição do antigo espaço da taberna, com todo o conteúdo cultural de que se revestia era
um exemplo típico dessas transformaçõesviii, que implicou também no declínio de uma tradição
e de uma memória que garantiam a existência de uma experiência coletiva. Esta inflexão
justificava uma periodização, uma vez que doravante se iniciava progressivamente um tempo
cujas características se sobrepunham ao mundo da cultura oral.
FONTES
As discussões do grupo em torno da escolha dos núcleos documentais básicos para o
desenvolvimento da pesquisa recaíram nos registros dos viajantes e na documentação dos
folcloristas. Sabíamos que as obras dos folcloristas e dos viajantes constituíam imenso legado
em que se encontravam sistematizados vários aspectos da cultura oral e das manifestações
populares brasileiras, embora as possibilidades dessa documentação não tivessem ainda sido
dimensionadas para a elaboração de uma história popular no Brasil. É claro que à época da
formação do grupo este quadro já estava mudando, uma vez que em alguns centros
universitários de história já se formava a convicção de que o conhecimento das classes
subalternas no Brasil requeria um amplo levantamento do universo etnográfico e cultural de
onde elas provinham. Assim, os registros de viajantes e folcloristas começavam a ganhar uma
dimensão nova no trabalho do historiador, uma vez que eles revelavam informações e análises
preciosas sobre o conjunto de práticas, ritos, relações de parentesco, costumes, crenças e
sociabilidades referentes às populações pobres do Brasil.
A origem dessa documentação, produzida nesse período, relacionava-se ao quadro
histórico novo inaugurado em fins do século XVIII, decorrente da descolonização, do
rompimento com a metrópole e da formação do Estado Nacional brasileiro. Isto suscitou uma
espécie de redescoberta e revisitação do Brasil pelos viajantes. Esse movimento foi
particularmente intenso a partir de inícios do século XIX. De Portugal, atraíram-se desde 1810
alemães que haviam sido contratados para se dedicarem ao problema da exploração do solo,
do aproveitamento do carvão e dos minérios de ferro. Os ingleses também para aqui vieram na
6
mesma época e, graças ao privilégio do livre acesso ao Brasil durante as Guerras
Napoleônicas, foram os primeiros a lançar publicações sobre o Brasil. Em 1816, o governo fez
vir uma missão de artistas da França. Em 1817, a Arquiduqueza Leopoldina de Habsburgo, ao
vir para o Brasil, trouxe em seu séquito uma missão de cientistas e artistas, dentre os quais o
paisagista Tomas Ender, para explorar o país desconhecido. Em 1825, registrou-se a chegada
da lendária expedição russa chefiada por Jorge Henrique von Langsdorff, financiada pelo Czar
russo Alexandre I. Essa expedição trouxe ao Brasil vários cientistas e artistas, entre eles o
pintor alemão Maurice Rugendas, que se separou de Langsdorff logo após sua chegadaix. A
vinda de viajantes estrangeiros não cessou desde então. Procedentes de muitas regiões, eles
percorreram todas as províncias do Brasil no século XIX, registrando minuciosamente aspectos
múltiplos da vida social, cultural, econômica e política do país. Entendíamos que esses registros
eram fundamentais para a reconstituição da memória histórica das "camadas populares" a partir
dos aspectos vinculados à cultura oral e gestual.
Quanto à produção sobre folclore, sabíamos ser ela bastante significativa. Como ponto
de partida nosso objetivo era recorrer a duas obras importantes que resenharam a bibliografia
do folclore brasileiro. Uma organizada em 197l por Bráulio do Nascimento e publicada pela
Biblioteca Nacional subordinada ao título Bibliografia do Folclore Brasileiro; outra, feita por
Cristina Argenton Colonelli e publicada pelo Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas
de São Paulo, também denominada Bibliografia do Folclore Brasileiro. As publicações
periódicas do Instituto Nacional do Folclore, principalmente as que publicavam resenhas sobre
o que se produzia nas várias áreas das pesquisas folclóricas, foram também lembradas pelo
grupo como passo inicial importante da pesquisa. Constatamos ainda a existência de uma
longa série de livros sobre o assunto a que recorreríamos para a consecução dos objetivos
estabelecidos pelo projeto de pesquisa.
RESULTADOS
a) Banco de Dados
Baseando-se nestas proposições, elaboramos um Banco de Dados reunindo
informações documentais sobre a cultura oral e gestual das "camadas populares" no período
definido pelo projeto, pesquisando os viajantes estrangeiros. A formação desse Banco de
Dados visava dar suporte a projetos de pesquisas posteriores voltados para a produção de
trabalhos de visão crítica sobre as "camadas populares" do período, elaborar coletâneas de
7
documentos históricos, e, por fim, colocar o acervo à disposição dos alunos do curso de
graduação e pós-graduação do Curso de História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis-
UNESP.
A definição dos temas levantados na documentação foi a seguinte:
1.Vida e relações sociais no espaço das tabernas e vendas.
2.O cotidiano dos marinheiros e sua especificidade social e cultural.
3.Teatro popular, danças, canções e representações dramáticas promovidas por
escravos e livres, nas fazendas, vilas, cidades, portos e navios.
4.Festas e religiosidade popular.
5.Literatura popular anônima.
b) Iniciação de alunos da Graduação à Pesquisa Histórica
O trabalho de criação do Banco de Dados permitiu simultaneamente a consecução de
um segundo objetivo, o de iniciar e preparar os melhores alunos do curso de graduação para a
produção do conhecimento histórico. Com isso pretendíamos trabalhar no curso de pósgraduação
com alunos capazes de produzir boas monografias de mestrado gastando para isso
um tempo menor do que era então despendido para essa finalidade.
Com as Bolsas de Pesquisa obtidas junto ao CNPq, selecionamos os graduandos
Osvaldo de Souza, Célia Regina da Silveira, Fernando Carvalho de Oliveira, José Roberto
Moretti, Marcelo Henrique de Andrade, e Solange Aparecida Baio.
Dentre as várias atividades dos bolsistas destacava-se a preparação e
acompanhamento da pesquisa, que envolvia leituras de caráter teórico-metodológico e
colóquios regulares de orientação. Nos colóquios, discutíamos exaustivamente as leituras
teóricas e o próprio andamento da pesquisa. As leituras teóricas eram fundamentais para que
os bolsistas aprendessem a reconhecer os aspectos significativos da documentação
consultada, que deveria ser fichada e recolhida para o Banco de Dados. Discutíamos também
as dúvidas, impasses e importância das descobertas que os bolsistas faziam ao longo da
realização da pesquisa.
A outra atividade circunscreveu-se à realização da pesquisa propriamente, envolvendo
um levantamento bibliográfico e a leitura de diários de viagem. O trabalho de levantamento
bibliográfico ensejou aos alunos uma importante familiaridade com as Bibliotecas da Unesp do
Campus de Assis e de Marília, com a Biblioteca Municipal Mário de Andrade da cidade de São
Paulo, e a do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Cabe destacar ainda as atividades de
treinamento dos alunos no Pólo Computacional da Faculdade de Ciências e Letras de Assis,
8
para a transposição do material recolhido em fichas para disquetes. Os resultados parciais
deste trabalho foram apresentados pelos alunos no IV Congresso de Iniciação Científica da
Unesp, realizado em Araçatuba de 27 a 29 de agosto de 1.992.
c) Artigo e relatórios de pesquisa
Como relatório, encaminhamos ao CNPq os documentos levantados pelos bolsistas,
dispostos em ordem de assunto, de acordo com os cinco itens previamente selecionados.
Tratava-se de um conjunto documental que funcionava como Banco de Dadosx sobre o que os
viajantes observaram no Brasil a respeito dos referidos temas.
Dos cinco itens que compuseram o relatório, um deles, o item Vida e relações sociais no
espaço das tabernas e vendas, originou posteriormente uma reflexão em forma de artigo
publicado em revista especializada. Trata-se do artigo A Rua e a Taberna. Algumas
considerações teóricas sobre a cultura popular e cultura política. Brasil, 1820-1880 (Barreiro,
1997)xi.
CONTINUIDADE
A partir de janeiro de 2.001 este projeto teve continuidade no âmbito do PROCAD,
programa interinstitucional financiado pela CAPESxii, a partir dos seguintes pontos:
A incorporação da acadêmica Adriane Colin, como bolsista do PAE (Programa de
Assistência ao Estudante da Unesp) permitiu uma ampliação das pesquisas do Banco de
Dados, sobretudo em relação ao item Teatro Popular, danças, canções e representações
dramáticas promovidas por escravos e livres, nas fazendas, vilas, cidades portos e navios e
também quanto ao levantamento bibliográfico de viajantes estrangeiros. Tanto quanto os
Bolsistas do CNPq que participaram da primeira fase do projeto, a preocupação em relação à
bolsista do PAE foi também quanto à sua preparação para o mestrado.
A ampliação das pesquisas do Banco de Dados deverá encaminhar-se também para a
incorporação de uma outra temática: a da Cultura tradicional, ou “ideologias inerentes” (para
ficar com a formulação de Rude) nas revoluções imediatamente anteriores e posteriores à
emancipação política. Trata-se de revisitar os Autos de Devassa, as Memórias, os
Depoimentos, as Biografias e as notícias de movimentos de contestação ocorridos no Brasil,
como a Inconfidência Mineira, A Revolução Pernambucana de 1817, A Revolução dos
Cabanos, a Balaiada, a Sabinada, dentre outros, em busca de uma óptica que não estava
9
geralmente presente quando esses movimentos foram estudados: a de reconstituir o
cruzamento (como explicitamos no início) entre um pensamento popular “menos estruturado”
com sistemas “mais estruturados de idéias” provindos de campos ideológicos do Iluminismo e
do liberalismo. E, a partir daí, entender os quadros mentais específicos gerados neste encontro,
como componentes importantes daqueles movimentos.
Caberia, finalmente, explicitar nossa intenção de aperfeiçoamento do Banco de Dados.
A pesquisa apresentada ao CNPq como resultado final configura-se como um material que
pode rapidamente ser organizado em fichas e transformar-se, portanto, num Banco de Dados
baseado nos princípios de um fichário manual. À época da entrega do relatório final,
pensávamos que os referidos dados podiam também ser inseridos em um dos gerenciadores de
dados mais simples e fáceis de usar, o Cardfile que acompanhava todas as cópias do Microsoft
Windows. Contudo, o Cadfile não era um programa muito útil para uso com grandes
quantidades de dados e não oferecia ferramentas avançadas para extração ou organização de
informações. Exploramos posteriormente o Microsoft Access, produto de base de dados
relacional, que igualmente não se revelou eficaz para os objetivos específicos da pesquisa.
Com a retomada da pesquisa no âmbito do PROCAD, abriram-se possibilidades de uma
cooperação interinstitucional com o CEDIC (Centro de Documentação da PUC-SP), sobretudo
em relação à sua experiência de elaboração de Banco de Dados a partir da documentação das
Santas Casas. Estas possibilidades, contudo, poderão ser concretizadas em um
replanejamento futuro de continuidade da pesquisa que deverá incluir também o início das
pesquisas com a documentação dos folcloristas.
i A pesquisa resultante dessa experiência didática foi financiada pelo CNPq.
ii THOMPSON, E. P. Tradicion Revuelta y Consciencia de Clase. Estudios sobre la crisis de la sociedad
preindustrial. Trad. Eva Rodrigues 3ª. Ed. Barcelona, Editorial Critica, 1989. p. 16-18.
iii COSTA, E.V. Da Senzala à Colônia. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966.
iv IDEM, Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. 1a. ed. São Paulo, Grijalbo, 1979.
v BARREIRO, J. C. O Materialismo Histórico e a Questão da Cultura: Uma sugestão de trabalho com textos da
historiografia clássica no ensino de 1o. e 2o. graus. Revista Brasileira de História. São Paulo, Anpuh/Marco Zero,
v.9, n. 19, p. 209-218, 1990.
vi Sobre os conceitos de “ideologias inerentes” e “ideologias derivadas”, cf. RUDÉ, G. Ideologia e Protesto Popular.
Rio de Janeiro, Zahar, 1982. O uso do conceito “experiência” está fundamentado em THOMPSON: E.P. A Miséria
da Teoria ou um Planetário de Erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Trad. Waltensir Dutra. Rio de
Janeiro, Zahar, 1981.
vii CHARTIER, R. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa,
Difusão Editorial Ltda.,1982.
viii BARREIRO, J. C. O Cotidiano e o Discurso dos Viajantes: Criminalidade, Ideologia e Luta Social no Brasil do
Século XIX.Tese de Doutoramento. USP, 1988. Uma versão modificada da tese foi publicada sob o título: Imaginário
e Viajantes no Brasil do Século XIX: cultura e cotidiano, tradição e resistência. São Paulo, Editora da Unesp, 2002.
10
ix Sobre as missões científicas de viajantes estrangeiros vindos ao Brasil nas primeiras décadas do século XIX, Cf.
OBERACKER, C. Viajantes, Naturalistas e Artistas Estrangeiros In: HOLANDA, S. B. (dir.) - O Brasil
Monárquico (O Processo de Emancipação). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1962, p.119; Sobre a missão
russa, em particular, chefiada por Langsdorff, Cf. BRAGA, M. P. - Materiais da expedição científica do acadêmico
G.I. Langsdorff ao Brasil como fontes da História. Mem. Sem. História. Franca. São Paulo, Unesp-Franca, vol.5,
p.67-74, 1983 e MANIZER, G.G. - A Expedição do Acadêmico G.I. Langsdorf ao Brasil. São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1967. A reprodução dos principais desenhos de Thomas Ender no Brasil está em FERREZ, G. - O
Brasil de Thomas Ender. Rio de Janeiro, Fundação João Moreira Salles, 1976.
x BARREIRO, J. C. Relatório apresentado ao CNPq referente ao processo 80.0366/91.3 de concessão de Bolsas de
Iniciação Científica: período 01/08/91 a 01/07/92 e 01/03/93 a 28/02/94. Dep. De História, Unesp/Assis, 1995.
xi BARREIRO, J. C. A Rua e a Taberna. Algumas considerações teóricas sobre a cultura popular e a cultura política.
Brasil, 1820-1880. História, São Paulo, Editora da Unesp, v.16, p. 173-184, 1997.
xii FENELON, D. R. e alli Cultura, Trabalho e Cidade: Muitas Memórias, outras Histórias. Projeto de Pesquisa
apresentado à CAPES-PROCAD, 2000.
alunos do Departamento de História da Unesp, Campus de Assis. Uma das principais atividades
do curso é o desenvolvimento de pesquisas em sala de aula, na Biblioteca e no Centro de
Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP). Desta experiência originou-se um Grupo de
Pesquisa financiado pelo CNPq, com alunos de graduação. O principal objetivo deste artigo é
registrar as principais etapas da formação desse grupo.
PALAVRAS CHAVE: História Popular; Ensino; Pesquisa
ABSTRACT
Since the end of seventeen years of twentieth century, I have been teaching Nineteenty Century
Brazilian History for students of History Department at University of São Paulo (Unesp - Assis).
One of the main activities of the course is the development of research with students in the
classroom, in the Library and in the local Documentation Center (CEDAP). The good academical
results of that experience originated a Research Group with undergraduated students. The main
objective of this article is to talk about that work experience.
KEY WORDS – Popular History; Research; Teaching History
O objetivo deste artigo é o de registrar a experiência de formação de um grupo de
pesquisa composto por alunos do curso de graduação em História, do Departamento de
História da Unesp, Campus de Assis. A idéia surgiu como desdobramento das atividades que
eram desenvolvidas anualmente durante o curso que ministrava, de História do Brasil,
abrangendo o período da transição da fase colonial para a imperial, chegando até a crise do
Império brasileiro em fins do século XIX. Uma das tarefas que mais atraía e motivava os alunos
matriculados do curso referia-se às atividades de pesquisa que eram desenvolvidas ao longo do
ano letivo. Tais tarefas envolviam uma preparação prévia, que compreendia leituras específicas
e temáticas abrangendo todo o período do curso, além de leituras e discussões de textos de
natureza teórica e metodológica, que pudessem orientar os alunos numa definição de temas de
pesquisa para serem trabalhados junto ao CEDAP (Centro de Documentação e Apoio à
Pesquisa) e à Biblioteca do Campus. A esta fase sucedia-se a visita dos alunos ao Centro de
2
Documentação e à Biblioteca, onde pesquisavam em grupo as mais diferentes coleções de
documentos lá existentes, dentre as quais, as coleções de periódicos, de relatórios de ministros,
chefes de polícia, de presidentes de província, além de alguns autos de devassas de
insurreições ocorridas no Brasil ao longo do século XIX. Os temas de pesquisa eram definidos
e problematizados previamente pelos grupos mas geralmente eles se transformavam no contato
com a documentação. Toda a experiência de pesquisa do grupo, incluindo dificuldades e
descobertas importantes, era socializada e amplamente discutida em sala de aula. O texto da
pesquisa ia se estruturando aos poucos, ao longo do semestre, recebendo os grupos
acompanhamento e orientação individual, ministrada dentro e fora de sala de aula.
Além da autonomia intelectual que ia aos poucos adquirindo em virtude da necessidade
de buscar documentos históricos e bibliografia para desenvolver o tema de sua própria escolha,
o aluno vivia o prazer da descoberta e da produção do conhecimento. Desenvolvia ainda a
noção segundo a qual aula não podia se restringir ao espaço da sala, sendo também a
Biblioteca e o Centro de Documentação espaços fundamentais para a sua própria formação.
O sucesso dessa experiência (que continua se desenvolvendo regularmente nos cursos
que ministro) e a necessidade de melhor articular o curso de graduação com o programa de
pós-graduação desenvolvido no Departamento de História levou-me a selecionar alguns dos
melhores alunos do curso de graduação para desenvolver trabalho similar, mas em um grupo
menor do que uma sala de quarenta alunos. Nesse sentido, durante o período de 01/08/91 a
01/07/92 obtive junto ao CNPq seis Bolsas de Iniciação Científica, renovadas para o período de
01/03/93 a 28/02/94, para desenvolver pesquisa sob o título Gestualidade, História Cultural e
Memória Coletiva no Brasil Império, 1780-1880.
Antes mesmo da obtenção dos recursos do CNPq, fiz a seleção dos alunos e iniciei com
eles uma discussão para a elaboração do projeto de pesquisa. Definimos o tema a partir dos
assuntos que mais haviam interessado os alunos nos últimos anos de experiência de pesquisa
no curso de História do Brasil. Havia sempre um interesse muito grande de se investigar melhor
a hipótese segundo a qual as classes subalternas no Brasil do século XIX não foram
expectadoras passivas, mas co-participantes decisivas nas transformações econômicas,
políticas e sociais ocorridas nesse período. Começamos então a fazer leituras que justificassem
a importância de nossa proposta.
Nosso ponto de partida para a justificativa da importância da proposta foi a constatação
de que uma das tarefas fundamentais da historiografia em relação ao Brasil do século XIX,
consistia ainda em ultrapassar as análises que descreviam as relações sociais vistas a partir de
"cima". Na antiga tradição dos Institutos Históricos, não inteiramente superada entre nós, a
3
Casa Grande e seu patriarca impunham-se de forma persuasiva e soberana, fazendo
prevalecer a idéia da "sociedade de uma só classe" ii. Um passo significativo para a mudança
dessa perspectiva foi dado por alguns autores que inauguraram entre nós um trabalho de
interpretação crítica fundamentado no materialismo histórico, tornando com isso mais
significativa a presença das camadas populares nas análises historiográficas. O caso mais bem
sucedido era o de Caio Prado Júnior, autor que exerceu profunda influência sobre os estudos
sociais desde os anos trinta, e continua, como obra clássica, a ser leitura obrigatória para todos
os estudiosos de história do Brasil. Nos anos sessenta, Emília Viotti reforçou a tendência de
superação das análises centradas no "senhor" e seu clã, ao produzir um dos livros mais
importantes sobre a escravidão iii e também por suas reflexões instigantes sobre o movimento
de emancipação política de l822 iv.
Todavia, em nossas discussões havia a convicção de que o avanço promovido por
essas análises na direção de uma "História popular", ficava em grande parte comprometido em
virtude das mesmas definirem a ação política e as mentalidades desses agentes sociais a partir
única e exclusivamente do Estado e dos demais canais institucionais a ele ligados. Ao aferirem
a ação política das camadas populares a partir da referência institucional apenas, os autores
acabavam minimizando aquilo que em suas obras se anunciava como possibilidade fértil de
recuperação da memória histórica desses agentes sociais, por não encontrarem outro caminho
senão o de caracterizá-los como politicamente atrasados v. A ênfase no institucional equivalia a
considerar a ação política das camadas populares apenas a partir das chamadas "ideologias
derivadas" ou sistemas "mais estruturados" de idéias (Estado, Direitos do Homem, Laissez-
Faire, partidos, sindicatos, etc.), perdendo-se com isso a possibilidade de reconstituir a
experiência em termos amplos (fé religiosa, impulsos milenaristas, antigos costumes, festas,
relações familiais, regras visíveis e invisíveis da regulação social) desses segmentos sociaisvi.
O suposto do atraso impossibilitava trabalhar com a hipótese das "camadas populares" como
portadoras de práticas sociais que não eram nem atrasadas, nem adiantadas, mas complexas,
específicas e ambíguas.
Estas reflexões indicavam a existência de um procedimento parcelar em relação à
análise das "camadas populares" no Brasil do século XIX. Tal procedimento impedia a
apreensão em sua inteireza do universo mental desses segmentos sociais. A sua projeção
como agentes históricos só poderia ser percebida a partir de elementos que transcendessem a
esfera das "ideologias derivadas", vinculadas à "cultura erudita" e aos sistemas estruturados de
idéias. Seria preciso, portanto, reconstituir a história das "camadas populares" considerando-se
o caráter gestual e oral de sua própria cultura. Até porque, na temporalidade histórica que se ia
4
delineando no projeto (a transição da Colônia para o Império até fins do século XIX), as
mentalidades e sensibilidades coletivas populares estavam basicamente remetidas à
transmissão oral dos costumes de uma para outra geração. Portanto, neste período, a cultura
gestual definia práticas, cimentava sociabilidades e prescrevia comportamentos.
Refletimos ainda que não poderíamos incorrer no erro de postular a reconstituição
histórica das "camadas populares" apenas a partir da oralidade, sob pena de novamente
incorrermos na visão fragmentada das configurações de vida de um grupo social. Nem
tampouco "ideologias inerentes" (cultura popular) e "ideologias derivadas" (cultura erudita)
deveriam ser concebidas como separadas por uma fronteira rígida. Fomos adquirindo clareza
sobre a necessidade de se questionar sempre qualquer caracterização global e unitária que
fizesse distinções rígidas entre o popular e o erudito. Ao contrário, seria preciso tentar recuperar
as circulações fluidas, as práticas compartilhadas, enfim, as clivagens e tensões constituídas
por tais relaçõesvii.
Na verdade, com aquelas discussões o que estávamos propondo era recuperar o que
talvez fosse um dos aspectos mais fascinantes do estudo das mentalidades populares, isto é, o
cruzamento das ideologias e formas de pensamento "menos estruturadas" baseadas na
experiência direta, na tradição oral, na memória folclórica, com os sistemas "mais estruturados"
de idéias ou as chamadas "ideologias derivadas". Imaginávamos que se fosse possível analisar
esta complexa combinação, talvez se pudesse chegar a um outro entendimento, por exemplo,
em relação à participação popular nas insurreições do século XIX. A retradução, a partir da
experiência cultural própria das classes subalternas, de todo um universo intelectual da cultura
letrada, certamente possibilitou a emergência de quadros mentais específicos que estiveram
presentes em todos os movimentos com participação popular, mas que nós até agora não
conseguimos reconstituir. Contudo, pensávamos que para a superação da visão parcial e
fragmentada que até agora havia sido construída sobre as "camadas populares", seria
necessário voltarmos nossos olhos para as fontes históricas e para os espaços sociais capazes
de propiciar a reconstituição do mundo da oralidade no Brasil do século XIX.
BALIZAS CRONOLÓGICAS
Definimos como balizas temporais do projeto, o período de 1780 a 1880. Nos anos
oitenta do século XVIII iniciava-se vigorosamente o processo de descolonização que culminaria
com a emancipação política e o início da formação do Estado Nacional brasileiro. Era um
momento em que as lutas sociais e os movimentos com participação popular intensificavam-se.
5
Tratava-se, portanto, de um momento privilegiado para se poder perceber em que medida as
tradições populares gestuais e orais compunham ou não dos movimentos sociais préemancipacionistas.
Por outro lado, os anos oitenta do século XIX pareciam indicar o início de uma nova
sensibilidade histórica derivada da decadência ou remodelagem de espaços tradicionais cujas
práticas sociais eram em grande parte assentadas na cultura oral. O desaparecimento e a
substituição do antigo espaço da taberna, com todo o conteúdo cultural de que se revestia era
um exemplo típico dessas transformaçõesviii, que implicou também no declínio de uma tradição
e de uma memória que garantiam a existência de uma experiência coletiva. Esta inflexão
justificava uma periodização, uma vez que doravante se iniciava progressivamente um tempo
cujas características se sobrepunham ao mundo da cultura oral.
FONTES
As discussões do grupo em torno da escolha dos núcleos documentais básicos para o
desenvolvimento da pesquisa recaíram nos registros dos viajantes e na documentação dos
folcloristas. Sabíamos que as obras dos folcloristas e dos viajantes constituíam imenso legado
em que se encontravam sistematizados vários aspectos da cultura oral e das manifestações
populares brasileiras, embora as possibilidades dessa documentação não tivessem ainda sido
dimensionadas para a elaboração de uma história popular no Brasil. É claro que à época da
formação do grupo este quadro já estava mudando, uma vez que em alguns centros
universitários de história já se formava a convicção de que o conhecimento das classes
subalternas no Brasil requeria um amplo levantamento do universo etnográfico e cultural de
onde elas provinham. Assim, os registros de viajantes e folcloristas começavam a ganhar uma
dimensão nova no trabalho do historiador, uma vez que eles revelavam informações e análises
preciosas sobre o conjunto de práticas, ritos, relações de parentesco, costumes, crenças e
sociabilidades referentes às populações pobres do Brasil.
A origem dessa documentação, produzida nesse período, relacionava-se ao quadro
histórico novo inaugurado em fins do século XVIII, decorrente da descolonização, do
rompimento com a metrópole e da formação do Estado Nacional brasileiro. Isto suscitou uma
espécie de redescoberta e revisitação do Brasil pelos viajantes. Esse movimento foi
particularmente intenso a partir de inícios do século XIX. De Portugal, atraíram-se desde 1810
alemães que haviam sido contratados para se dedicarem ao problema da exploração do solo,
do aproveitamento do carvão e dos minérios de ferro. Os ingleses também para aqui vieram na
6
mesma época e, graças ao privilégio do livre acesso ao Brasil durante as Guerras
Napoleônicas, foram os primeiros a lançar publicações sobre o Brasil. Em 1816, o governo fez
vir uma missão de artistas da França. Em 1817, a Arquiduqueza Leopoldina de Habsburgo, ao
vir para o Brasil, trouxe em seu séquito uma missão de cientistas e artistas, dentre os quais o
paisagista Tomas Ender, para explorar o país desconhecido. Em 1825, registrou-se a chegada
da lendária expedição russa chefiada por Jorge Henrique von Langsdorff, financiada pelo Czar
russo Alexandre I. Essa expedição trouxe ao Brasil vários cientistas e artistas, entre eles o
pintor alemão Maurice Rugendas, que se separou de Langsdorff logo após sua chegadaix. A
vinda de viajantes estrangeiros não cessou desde então. Procedentes de muitas regiões, eles
percorreram todas as províncias do Brasil no século XIX, registrando minuciosamente aspectos
múltiplos da vida social, cultural, econômica e política do país. Entendíamos que esses registros
eram fundamentais para a reconstituição da memória histórica das "camadas populares" a partir
dos aspectos vinculados à cultura oral e gestual.
Quanto à produção sobre folclore, sabíamos ser ela bastante significativa. Como ponto
de partida nosso objetivo era recorrer a duas obras importantes que resenharam a bibliografia
do folclore brasileiro. Uma organizada em 197l por Bráulio do Nascimento e publicada pela
Biblioteca Nacional subordinada ao título Bibliografia do Folclore Brasileiro; outra, feita por
Cristina Argenton Colonelli e publicada pelo Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas
de São Paulo, também denominada Bibliografia do Folclore Brasileiro. As publicações
periódicas do Instituto Nacional do Folclore, principalmente as que publicavam resenhas sobre
o que se produzia nas várias áreas das pesquisas folclóricas, foram também lembradas pelo
grupo como passo inicial importante da pesquisa. Constatamos ainda a existência de uma
longa série de livros sobre o assunto a que recorreríamos para a consecução dos objetivos
estabelecidos pelo projeto de pesquisa.
RESULTADOS
a) Banco de Dados
Baseando-se nestas proposições, elaboramos um Banco de Dados reunindo
informações documentais sobre a cultura oral e gestual das "camadas populares" no período
definido pelo projeto, pesquisando os viajantes estrangeiros. A formação desse Banco de
Dados visava dar suporte a projetos de pesquisas posteriores voltados para a produção de
trabalhos de visão crítica sobre as "camadas populares" do período, elaborar coletâneas de
7
documentos históricos, e, por fim, colocar o acervo à disposição dos alunos do curso de
graduação e pós-graduação do Curso de História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis-
UNESP.
A definição dos temas levantados na documentação foi a seguinte:
1.Vida e relações sociais no espaço das tabernas e vendas.
2.O cotidiano dos marinheiros e sua especificidade social e cultural.
3.Teatro popular, danças, canções e representações dramáticas promovidas por
escravos e livres, nas fazendas, vilas, cidades, portos e navios.
4.Festas e religiosidade popular.
5.Literatura popular anônima.
b) Iniciação de alunos da Graduação à Pesquisa Histórica
O trabalho de criação do Banco de Dados permitiu simultaneamente a consecução de
um segundo objetivo, o de iniciar e preparar os melhores alunos do curso de graduação para a
produção do conhecimento histórico. Com isso pretendíamos trabalhar no curso de pósgraduação
com alunos capazes de produzir boas monografias de mestrado gastando para isso
um tempo menor do que era então despendido para essa finalidade.
Com as Bolsas de Pesquisa obtidas junto ao CNPq, selecionamos os graduandos
Osvaldo de Souza, Célia Regina da Silveira, Fernando Carvalho de Oliveira, José Roberto
Moretti, Marcelo Henrique de Andrade, e Solange Aparecida Baio.
Dentre as várias atividades dos bolsistas destacava-se a preparação e
acompanhamento da pesquisa, que envolvia leituras de caráter teórico-metodológico e
colóquios regulares de orientação. Nos colóquios, discutíamos exaustivamente as leituras
teóricas e o próprio andamento da pesquisa. As leituras teóricas eram fundamentais para que
os bolsistas aprendessem a reconhecer os aspectos significativos da documentação
consultada, que deveria ser fichada e recolhida para o Banco de Dados. Discutíamos também
as dúvidas, impasses e importância das descobertas que os bolsistas faziam ao longo da
realização da pesquisa.
A outra atividade circunscreveu-se à realização da pesquisa propriamente, envolvendo
um levantamento bibliográfico e a leitura de diários de viagem. O trabalho de levantamento
bibliográfico ensejou aos alunos uma importante familiaridade com as Bibliotecas da Unesp do
Campus de Assis e de Marília, com a Biblioteca Municipal Mário de Andrade da cidade de São
Paulo, e a do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Cabe destacar ainda as atividades de
treinamento dos alunos no Pólo Computacional da Faculdade de Ciências e Letras de Assis,
8
para a transposição do material recolhido em fichas para disquetes. Os resultados parciais
deste trabalho foram apresentados pelos alunos no IV Congresso de Iniciação Científica da
Unesp, realizado em Araçatuba de 27 a 29 de agosto de 1.992.
c) Artigo e relatórios de pesquisa
Como relatório, encaminhamos ao CNPq os documentos levantados pelos bolsistas,
dispostos em ordem de assunto, de acordo com os cinco itens previamente selecionados.
Tratava-se de um conjunto documental que funcionava como Banco de Dadosx sobre o que os
viajantes observaram no Brasil a respeito dos referidos temas.
Dos cinco itens que compuseram o relatório, um deles, o item Vida e relações sociais no
espaço das tabernas e vendas, originou posteriormente uma reflexão em forma de artigo
publicado em revista especializada. Trata-se do artigo A Rua e a Taberna. Algumas
considerações teóricas sobre a cultura popular e cultura política. Brasil, 1820-1880 (Barreiro,
1997)xi.
CONTINUIDADE
A partir de janeiro de 2.001 este projeto teve continuidade no âmbito do PROCAD,
programa interinstitucional financiado pela CAPESxii, a partir dos seguintes pontos:
A incorporação da acadêmica Adriane Colin, como bolsista do PAE (Programa de
Assistência ao Estudante da Unesp) permitiu uma ampliação das pesquisas do Banco de
Dados, sobretudo em relação ao item Teatro Popular, danças, canções e representações
dramáticas promovidas por escravos e livres, nas fazendas, vilas, cidades portos e navios e
também quanto ao levantamento bibliográfico de viajantes estrangeiros. Tanto quanto os
Bolsistas do CNPq que participaram da primeira fase do projeto, a preocupação em relação à
bolsista do PAE foi também quanto à sua preparação para o mestrado.
A ampliação das pesquisas do Banco de Dados deverá encaminhar-se também para a
incorporação de uma outra temática: a da Cultura tradicional, ou “ideologias inerentes” (para
ficar com a formulação de Rude) nas revoluções imediatamente anteriores e posteriores à
emancipação política. Trata-se de revisitar os Autos de Devassa, as Memórias, os
Depoimentos, as Biografias e as notícias de movimentos de contestação ocorridos no Brasil,
como a Inconfidência Mineira, A Revolução Pernambucana de 1817, A Revolução dos
Cabanos, a Balaiada, a Sabinada, dentre outros, em busca de uma óptica que não estava
9
geralmente presente quando esses movimentos foram estudados: a de reconstituir o
cruzamento (como explicitamos no início) entre um pensamento popular “menos estruturado”
com sistemas “mais estruturados de idéias” provindos de campos ideológicos do Iluminismo e
do liberalismo. E, a partir daí, entender os quadros mentais específicos gerados neste encontro,
como componentes importantes daqueles movimentos.
Caberia, finalmente, explicitar nossa intenção de aperfeiçoamento do Banco de Dados.
A pesquisa apresentada ao CNPq como resultado final configura-se como um material que
pode rapidamente ser organizado em fichas e transformar-se, portanto, num Banco de Dados
baseado nos princípios de um fichário manual. À época da entrega do relatório final,
pensávamos que os referidos dados podiam também ser inseridos em um dos gerenciadores de
dados mais simples e fáceis de usar, o Cardfile que acompanhava todas as cópias do Microsoft
Windows. Contudo, o Cadfile não era um programa muito útil para uso com grandes
quantidades de dados e não oferecia ferramentas avançadas para extração ou organização de
informações. Exploramos posteriormente o Microsoft Access, produto de base de dados
relacional, que igualmente não se revelou eficaz para os objetivos específicos da pesquisa.
Com a retomada da pesquisa no âmbito do PROCAD, abriram-se possibilidades de uma
cooperação interinstitucional com o CEDIC (Centro de Documentação da PUC-SP), sobretudo
em relação à sua experiência de elaboração de Banco de Dados a partir da documentação das
Santas Casas. Estas possibilidades, contudo, poderão ser concretizadas em um
replanejamento futuro de continuidade da pesquisa que deverá incluir também o início das
pesquisas com a documentação dos folcloristas.
i A pesquisa resultante dessa experiência didática foi financiada pelo CNPq.
ii THOMPSON, E. P. Tradicion Revuelta y Consciencia de Clase. Estudios sobre la crisis de la sociedad
preindustrial. Trad. Eva Rodrigues 3ª. Ed. Barcelona, Editorial Critica, 1989. p. 16-18.
iii COSTA, E.V. Da Senzala à Colônia. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966.
iv IDEM, Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. 1a. ed. São Paulo, Grijalbo, 1979.
v BARREIRO, J. C. O Materialismo Histórico e a Questão da Cultura: Uma sugestão de trabalho com textos da
historiografia clássica no ensino de 1o. e 2o. graus. Revista Brasileira de História. São Paulo, Anpuh/Marco Zero,
v.9, n. 19, p. 209-218, 1990.
vi Sobre os conceitos de “ideologias inerentes” e “ideologias derivadas”, cf. RUDÉ, G. Ideologia e Protesto Popular.
Rio de Janeiro, Zahar, 1982. O uso do conceito “experiência” está fundamentado em THOMPSON: E.P. A Miséria
da Teoria ou um Planetário de Erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Trad. Waltensir Dutra. Rio de
Janeiro, Zahar, 1981.
vii CHARTIER, R. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa,
Difusão Editorial Ltda.,1982.
viii BARREIRO, J. C. O Cotidiano e o Discurso dos Viajantes: Criminalidade, Ideologia e Luta Social no Brasil do
Século XIX.Tese de Doutoramento. USP, 1988. Uma versão modificada da tese foi publicada sob o título: Imaginário
e Viajantes no Brasil do Século XIX: cultura e cotidiano, tradição e resistência. São Paulo, Editora da Unesp, 2002.
10
ix Sobre as missões científicas de viajantes estrangeiros vindos ao Brasil nas primeiras décadas do século XIX, Cf.
OBERACKER, C. Viajantes, Naturalistas e Artistas Estrangeiros In: HOLANDA, S. B. (dir.) - O Brasil
Monárquico (O Processo de Emancipação). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1962, p.119; Sobre a missão
russa, em particular, chefiada por Langsdorff, Cf. BRAGA, M. P. - Materiais da expedição científica do acadêmico
G.I. Langsdorff ao Brasil como fontes da História. Mem. Sem. História. Franca. São Paulo, Unesp-Franca, vol.5,
p.67-74, 1983 e MANIZER, G.G. - A Expedição do Acadêmico G.I. Langsdorf ao Brasil. São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1967. A reprodução dos principais desenhos de Thomas Ender no Brasil está em FERREZ, G. - O
Brasil de Thomas Ender. Rio de Janeiro, Fundação João Moreira Salles, 1976.
x BARREIRO, J. C. Relatório apresentado ao CNPq referente ao processo 80.0366/91.3 de concessão de Bolsas de
Iniciação Científica: período 01/08/91 a 01/07/92 e 01/03/93 a 28/02/94. Dep. De História, Unesp/Assis, 1995.
xi BARREIRO, J. C. A Rua e a Taberna. Algumas considerações teóricas sobre a cultura popular e a cultura política.
Brasil, 1820-1880. História, São Paulo, Editora da Unesp, v.16, p. 173-184, 1997.
xii FENELON, D. R. e alli Cultura, Trabalho e Cidade: Muitas Memórias, outras Histórias. Projeto de Pesquisa
apresentado à CAPES-PROCAD, 2000.
CRONOGRAMA ATUAL!!
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PRÓ- REITORIA DE GRADUAÇÃO – PROGRAD
PROGRAMA DE INICIAÇÃO Á DOCÊNCIA – PID
Título do projeto: Leituras e ambiências em História da educação do Ceará
Professor: Ari Andrade Monitoras: Eliana e Mikaelly
CRONOGRAMA DAS AULAS DE CAMPO
LOCAL | DIA | HORÁRIO |
Museu da Senzala (Redenção) | 04 de Dezembro | 8 horas |
Museu do Ceará | 13 de novembro | 14 horas |
Teatro José de Alencar | 27 de novembro | 14 horas |
Textos para LEITURAS E AMBIÊNCIAS
1- Sistema educacional Cearense no século XIX- texto apresentado no ANPHU- Autor Francisco Ari
2- Rastos e Imagens do Liceu do Ceará – Livro -2010- Francisco Ari
3- Lições através de contos – Profª Graça Loyola (Biografias, Instituições... Pg. 76) UFC 2003.
OBS: ENTREGA DO RELATÓRIO APÓS CADA VISITA.
O endereço do Blog
E-mail: historiaeambientes@gmail.com
MUSEU DO CEARÁ...
MUSEU DO CEARÁ

O Museu do Ceará foi à primeira instituição museológica oficial do Estado criado por decreto em 1932, mas aberto oficialmente ao público em janeiro de 1933, com a denominação de Museu Histórico do Ceará. Inicialmente foi concebido como uma das dependências do Arquivo Público, situado na rua 24 de Maio, nº 238, no centro de Fortaleza. No início de 1934, o Arquivo e o Museu foram transferidos para a Avenida Alberto Nepomuceno, nº 332, em frente à Praça da Sé. Hoje esses edifícios já não existem mais. Sua principal missão é promover a reflexão crítica sobre a História do Ceará por meio de programas integrados de pesquisas museológicas, exposições, cursos, publicações e práticas pedagógicas.
Em 1951, o Arquivo foi deslocado para as áreas térreas do Palacete Senador Alencar, onde funcionava a Assembléia Legislativa, e o Museu se manteve no edifício da Praça da Sé até 1957, sob a tutela do Instituto Histórico do Ceará, que se transferiu para o local. Tal iniciativa governamental tinha por finalidade dotar o Instituto de instalações mais adequadas para as suas atividades e também reestruturar o Museu. Reformas foram empreendidas e novas peças foram agregadas ao seu acervo - notadamente as das coleções indígenas do antigo Museu do Instituto (organizado em 1940 por Pompeu Sobrinho) e do Museu Rocha (compradas em 1953) - para a montagem de futuras exposições. As aquisições acabaram dando uma feição diferenciada à Instituição, que em 1955 reabre com nova denominação: Museu Histórico e Antropológico do Ceará.
No terreno onde estava instalado, o Governo Paulo Sarasate resolveu construir o Fórum Clóvis Beviláqua, transferindo o Museu para a Avenida Visconde do Cauype, nº 2341. Lá ficou até 1967, quando a Universidade Federal do Ceará solicitou a edificação para ampliar as dependências da Faculdade de Economia, prometendo em contrapartida um prédio na Rua Barão do Rio Branco, n. 410 (hoje sede do Instituto Histórico). O Museu ainda seria deslocado mais duas vezes: no ano de 1971, para a Avenida Barão de Studart, nº 410 (onde atualmente está o Museu da Imagem e do Som); e em 1990, para a Rua São Paulo, nº 51, onde ganhou o nome de Museu do Ceará e se mantêm até a presente data.
Ao longo desse percurso de mais de setenta anos de existência, o Museu do Ceará passou pelas mãos de vários administradores, saiu da tutela do Instituto Histórico e foi vinculado à Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (SECULT) em 1967. Hoje a Instituição se encontra num imóvel de significativo valor histórico, denominado Palacete Senador Alencar, idealizado originalmente para ser a Assembléia Provincial do Ceará, na época do Brasil-Império. Suas obras se iniciaram no ano de 1856 e foram concluídas em 1871, sendo tombado como Monumento Nacional pelo IPHAN em 28/02/1973. O edifício ainda mantém suas características arquitetônicas originais. Seu estilo neoclássico é expresso principalmente através das colunas, janelas e frontão triangular. Nas proximidades está o Palácio da Luz (atual Academia Cearense de Letras), a Igreja do Rosário e a Praça General Tibúrcio (mais conhecida como Praça dos Leões) Essas construções formam um importante conjunto arquitetônico da capital cearense, localizado numa área de grande densidade histórica e turística.
Adaptado para o funcionamento do museu, o imponente edifício, que em si mesmo já é uma peça museológica, abriga uma exposição de longa duração aberta em 1998 e espaços de exposições temporárias que percorrem vários temas da História do Ceará, o Memorial Frei Tito (aberto em 2002), a sala Paulo Freire (criada em 2001 para receber os visitantes e sediar seminários, cursos etc), a Reserva Técnica, a sala do Núcleo Educativo, a sala da administração e biblioteca.
O Museu do Ceará possui um acervo bastante variado, resultado de compras e, sobretudo, de doações de particulares e instituições públicas. Entre moedas e medalhas, há quadros, móveis, peças arqueológicas, artefatos indígenas, bandeiras e armas. Há também peças de “arte popular” e uma coleção de cordéis publicados entre 1940 e 2000 (950 exemplares). Alguns objetos se referem aos chamados “fatos históricos”, como a escravidão, o movimento abolicionista e movimentos literários, como a famosa “Padaria Espiritual”, que entrou para a História da Literatura Brasileira com especial destaque. Trata-se de um acervo com mais de sete mil peças, que atualmente é trabalhado como veículo de reflexão sobre a Historia local integrada à História do Ceará, em seus aspectos culturais, econômicos e sociais. Muitas peças estão em exposição, organizadas em salas temáticas.Além de concentrar um dos maiores e mais importantes acervos do Estado, o Museu do Ceará promove cursos, oficinas, palestras e publicações na área de museologia e História, visitas orientadas e capacitação para professores, destacando-se como um núcleo de ações educativas em parceria com a Universidade Federal do Ceará. Sua política cultural está consoante com os princípios da pedagogia de Paulo Freire. Tal projeto de atuação procura atender ao público diversificado que vai ao Museu: pesquisadores, estudantes da educação básica e superior, visitantes de Fortaleza e turistas do Ceará, do Brasil e de outros países. Especial atenção é dada ao trabalho com as visitas orientadas.
Com base na atual Política Nacional de Museus, a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, por meio do Museu do Ceará, passou a coordenar a criação e o funcionamento do Sistema Estadual de Museus, ampliando as referidas atividades que atualmente desenvolve, a fim de contribuir também para a qualificação dos profissionais dos espaços museológicos do Ceará.
Todas as atividades mencionadas vêm consolidando o Museu do Ceará como um significativo espaço de educação, cultura e lazer, tal como se entende nos fundamentos científicos e éticos da museologia contemporânea, transformando-se numa referência regional.
REFERÊNCIA
www.secult.ce.gov.br/equipamentos-culturais/museu-do-ceara/museu-do-ceara
terça-feira, 19 de outubro de 2010
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
HISTÓRIA DE TODAS AS COISAS...
Este video mostra.... Você tem que ver para saber.
http://www.youtube.com/watch?v=lgmTfPzLl4E
http://www.youtube.com/watch?v=lgmTfPzLl4E
Para complementar a Leitura...
TRATAMENTO DAS ENTREVISTAS DE HISTÓRIA ORAL NO CPDOC*
Verena Alberti**
CPDOC-FGV
O Programa de História Oral (PHO) do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas foi criado há 30
anos, em 1975. Ao longo desses anos, produziu um acervo de mais de 1.300 entrevistas
gravadas, que correspondem a mais de 4.700 horas de gravação. As formas de tratamento das
entrevistas foram se modificando em função do volume do acervo, das demandas externas e
das condições de produção dos depoimentos. Boa parte do acervo encontra-se hoje aberta à
consulta, e as informações sobre as entrevistas estão disponíveis no Portal do CPDOC
(www.cpdoc.fgv.br). O objetivo desse trabalho é apresentar a experiência e a prática do
Programa de História Oral do CPDOC no que diz respeito ao tratamento das fontes orais,
atentando também para as dificuldades que enfrentamos para cuidar de sua preservação e do
acesso a elas.
Breve histórico do acervo do Programa de História Oral do CPDOC1
As primeiras entrevistas do Programa de História Oral do CPDOC começaram a ser
realizadas em 1975, seguindo em grande parte as orientações do I Curso Nacional de História
Oral, organizado pelo Subgrupo de História Oral do Grupo de Documentação em Ciências
Sociais (GDCS), que havia sido formado em dezembro do ano anterior por representantes da
Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, da Fundação Getulio Vargas e do Instituto
Brasileiro de Bibliografia e Documentação. Os professores convidados eram George P.
Browne, do Departamento de História da Seton Hall University, Nova Jersey; James e Edna
Wilkie, do Latin American Center da Universidade de Califórnia, e Eugenia Meyer, do
* Trabalho apresentado à Mesa II “Perspectivas e desafios no tratamento dos documentos orais” do I Encontro
de Documentação Oral do Mercosul, realizado durante o VI Congresso de Arquivologia do Mercosul, em
Campos do Jordão (SP), de 17 a 20 de outubro de 2005.
** Historiadora, mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
(PPGAS), Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutora em Teoria da Literatura pela
Universidade de Siegen (Alemanha). Coordenadora do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
Autora de Manual de história oral (Rio, Editora FGV, 2004) e Ouvir contar: textos em história oral (Rio,
Editora FGV, 2004). Foi presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO) entre 2002 e 2004.
1 A esse respeito, ver também Alberti, 1998.
ALBERTI, Verena. Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC,
2005. 11f.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 2
Instituto Nacional de Antropologia do México.2 Esse início garantiu ao PHO uma certa
uniformidade nas atividades de realização e tratamento das entrevistas. Desde o começo, o
tratamento incluía a duplicação da gravação, para a formação do acervo de segurança; a
passagem da entrevista para a forma escrita – na qual se sucediam as etapas de transcrição,
conferência de fidelidade da transcrição, copidesque e leitura final; a elaboração instrumentos
de auxílio à pesquisa – como o sumário e os índices temático e onomástico – e, finalmente, a
liberação para consulta, com a elaboração de ficha técnica, folha de rosto e ficha
catalográfica.
Com o passar dos anos, as mudanças na forma de constituição do acervo, a redução da
equipe e as possibilidades engendradas pela informática acabaram levando a transformações
importantes. No que diz respeito à constituição do acervo, chama atenção a variedade de
projetos que dão origem, hoje, às entrevistas. Os primeiros dez anos de existência do PHO do
CPDOC foram marcados pelo desenvolvimento do projeto “Trajetória e desempenho das
elites políticas brasileiras de 1930 até os dias de hoje”, que objetivava examinar o processo de
montagem do Estado brasileiro, como forma, inclusive, de compreender como se chegara ao
regime militar então vigente.3 Com o tempo formaram-se, no interior desse projeto, eixos
temáticos que abarcavam grupos regionais (políticos da Paraíba e do Rio Grande do Sul, por
exemplo) e de acordo com sua atuação: militares, diplomatas, tecnocratas, intelectuais etc. No
final dos anos 80 e mais claramente a partir de meados dos anos 90, o acervo do PHO passou
a ser enriquecido com entrevistas de projetos de duração limitada, muitas vezes resultados de
convênios e parcerias, como os que se voltaram para a formação de instituições do Estado
(Petrobrás, Eletrobrás, Banco Central do Brasil, BNDES, Inmetro, Ipea), para a constituição
de entidades de ensino público e privado (Impa, Capes, Ebape, universidades privadas), ou
para campos específicos, como a atividade de seguros, o urbanismo e a ação de organismos
governamentais e não governamentais nas favelas – para citar apenas algumas das frentes
abertas. Atualmente 55 projetos que geraram e geram entrevistas de história oral estão
cadastrados na base de dados do PHO, número que aumenta expressivamente a cada ano.
Nesse novo cenário, são raras as entrevistas realizadas exclusivamente no contexto do projeto
“Trajetória e desempenho das elites políticas”, ainda que a maioria dos novos projetos tenha
muita relação com a temática inicial.
2 Sobre esse curso, ver Ferreira, 1996, e Alberti, 2005.
3 Paralelamente ao projeto “Trajetória e desempenho das elites políticas brasileiras”, Simon Schwartzman
desenvolveu, entre 1975 e 1978, a pesquisa “História da ciência no Brasil”, que resultou em mais de 70
entrevistas com cientistas brasileiros de várias gerações, sobre sua vida profissional e a natureza da atividade
científica no Brasil e no mundo.
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A equipe que produz e processa essas entrevistas também não é mais aquele grupo de
cerca de seis pesquisadores permanentes que havia no início do PHO, todos cuidando das
várias atividades envolvidas na constituição e na divulgação do acervo. Hoje cada projeto está
a cargo de um ou mais pesquisadores do CPDOC, que desempenham outras atividades
concomitantes, e não raro tarefas como a conferência de fidelidade e a elaboração de sumário
são feitas por auxiliares temporários, não especializados na metodologia da história oral.
O PHO teve, pois, de se ajustar aos novos tempos, mas podemos dizer que as bases
lançadas em 1975 permanecem, orientando sua prática até hoje. As unidades do acervo
continuam sendo as entrevistas, agora necessariamente atreladas a seus projetos; as
informações sobre cada entrevista disponibilizada ao público são as mesmas que eram
apresentadas no primeiro catálogo do PHO publicado em 1981, e, ainda que não passemos
mais todas as entrevistas para a forma escrita, o sumário e o índice temático são produzidos
para todos os depoimentos liberados à consulta.
Outra transformação importante decorreu da necessidade de estabelecermos
mecanismos eficazes de controle das entrevistas gravadas, tendo em vista o volume do acervo
produzido ao longo desses 30 anos. Nos últimos quatro anos foram realizadas em média mais
de 60 entrevistas por ano, que correspondem a uma média também anual de mais de 140 horas
gravadas. Para dar conta das entrevistas já realizadas e das que são gravadas nos diferentes
projetos desenvolvidos pelo Centro, foi necessária a constituição de uma base de dados
bastante complexa, capaz de abarcar praticamente todas as variáveis envolvidas no trabalho
com a história oral do CPDOC. Esse instrumento de gestão do acervo de entrevistas foi
concebido e desenvolvido internamente e conta com o suporte técnico da Divisão de
Tecnologia da Informação da Fundação Getulio Vargas. Através dele podemos gerar
catálogos de depoimentos e uma série de relatórios úteis para o planejamento de nossas
atividades. Por exemplo, responder a perguntas do tipo: quais entrevistas ainda não estão
liberadas para consulta e por quê?, quais entrevistas não têm carta de cessão?, quais
entrevistas foram realizadas no contexto do projeto x?, quais entrevistas abordam o tema y?
Se compararmos essa agilidade com o tempo das fichas de cartolina e das listas sempre
emendadas à mão, não podemos deixar de considerar que avançamos bastante.4
4 Sobre a base de dados, ver Alberti, 2004, capítulo 8.
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Alguns problemas
Restam, porém, alguns problemas, que parecem ser típicos de programas de história
oral. Dois deles são antigos e acompanham a trajetória do PHO desde o início: a dificuldade
de liberar entrevistas no mesmo ritmo em que elas são gravadas e as restrições, ou mesmo
proibições, impostas pelo entrevistado para a abertura de seu depoimento à consulta. O
resultado disso é que há sempre uma grande defasagem entre o número de entrevistas
realizadas e o número de entrevistas abertas. No caso do CPDOC essa defasagem é muito
grande: 36% do volume do acervo permanecem fechados à consulta, seja porque não foi
tratado ainda, seja porque as entrevistas não têm carta de cessão (cerca de 15% do total de
horas gravadas).5 Por isso temos a sensação de estarmos sempre “correndo atrás” para
cumprir o percurso que permite a socialização do nosso acervo.
Outro problema diz respeito à tecnologia de gravação. Quando o PHO foi criado, fazia
as gravações em fita rolo (transformadas no acervo de segurança) e cassete (transformadas no
acervo para uso e consulta). Hoje é necessário estar permanentemente atento às tecnologias de
gravação, dado o perigo de se tornarem obsoletas e não permitirem mais a audição do que foi
gravado. Entrevistas em áudio ou em vídeo não podem ser consultadas prescindindo-se de um
equipamento de “leitura”. Por isso, mesmo que as fitas de rolo do nosso acervo estejam em
perfeito estado de conservação, em breve não poderemos mais ouvi-las, pois faltarão
gravadores de rolo no mercado. Isso significa que temos de migrar as gravações para um
formato digital suficientemente seguro – ou seja, largamente utilizado e passível de ser
migrado para outro formato antes de se tornar ele mesmo obsoleto. Além disso, é preciso estar
atento para o formato e a tecnologia de gravação a serem empregados na produção de novas
entrevistas: gravação em disco rígido no formato wave e mp3?, gravação em minidisc?, cópia
em CD?, ou em DVD? Os conhecimentos que devem ter os gestores de programas de história
oral estão muito mais complexos do que há 30 anos, quando se tinha certeza de que as fitas
magnéticas, se bem cuidadas, poderiam durar muito tempo.6
A prática do PHO do CPDOC
Comecemos pelo percurso atual de uma entrevista no CPDOC. Tão logo é gravada
(mesmo que seja apenas a primeira sessão), o técnico de som providencia a duplicação da
5 Esse cálculo é feito sobre o número de horas gravadas (chamadas aqui de “volume do acervo”). Quando se
calcula sobre o número de entrevistas, a defasagem aumenta muito: 47% das entrevistas ainda permanecem
fechadas à consulta; 24% porque não têm carta de cessão.
6 Sobre a tecnologia de gravação e o equipamento em projetos de história oral, ver Alberti, 2004, capítulo 3.
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gravação (em áudio e vídeo, se for o caso) e é criado um registro na base de dados contendo
os elementos já conhecidos: título da entrevista, nome dos entrevistadores, projeto, local, data,
duração e suporte(s) de gravação (fita cassete, fita rolo, CD, vídeo VHS, vídeo digital,
minidisc...). Solicita-se ao entrevistador que preencha um relatório fornecendo as seguintes
informações: razões da escolha do entrevistado e objetivo da entrevista, dados biográficos e
cadastrais do entrevistado, tipo de entrevista, responsáveis pelo levantamento de dados e
roteiro, dados sobre o projeto, observações sobre o andamento da entrevista – uma espécie de
caderno de campo, onde são registrados dados do tipo: forma de contato com o entrevistado,
outras pessoas presentes à entrevista, objeções do entrevistado à carta de cessão, interrupções
prolongadas entre uma sessão e outra, mudanças de local de entrevista etc. O entrevistador
também fica responsável pela obtenção da carta de cessão, que é entregue ao PHO juntamente
com o relatório, depois do encerramento da entrevista. Nesse momento, temos condição de
acrescentar ao registro da base de dados as informações extraídas do relatório e a data de
assinatura da carta de cessão, que é devidamente arquivada.
Dependendo do projeto, a entrevista deverá ser transcrita, o que é feito por prestador
de serviço. A transcrição é guardada como arquivo digital e é enviada para o pesquisadorentrevistador,
que lhe dará o encaminhamento necessário: conferência de fidelidade
(incluindo notas), copidesque e elaboração de sumário. Na base de dados, são inseridos os
nomes dos responsáveis por cada uma dessas tarefas, os quais aparecem posteriormente na
ficha técnica da entrevista, conforme o padrão instituído em 1975, na implantação do
programa. Quando a entrevista retorna ao PHO, elaboramos seu índice temático com base no
sumário e arquivamos o texto em sua versão final. Os dados inseridos na base permitem gerar
o relatório de liberação da entrevista, que traz a folha de rosto (com as normas de citação), a
ficha técnica e o sumário. A esse relatório acrescentamos o texto em sua versão final, e o
conjunto é disponibilizado no Portal do CPDOC para download.
Quando todo esse percurso é realizado a contento, podemos ficar satisfeitos. O
problema é que não raro alguma coisa atravessa o caminho e a entrevista não é
completamente tratada. Nesses casos, e também nos casos em que não foram previstos os
gastos com a passagem da entrevista para a forma escrita, optamos por liberá-la em áudio ou
em audiovisual, desde que o entrevistado não tenha feito objeção a essa forma de liberação.
Elaboramos seu sumário e indexamos os assuntos, gerando em seguida também o relatório de
liberação da entrevista. Neste caso, a entrevista liberada terá folha de rosto (com normas de
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citação do áudio ou do vídeo), ficha técnica e sumário, mas não terá, evidentemente, o texto
transcrito.
As informações cadastradas na base de dados permitem uma série de consultas
internas (por exemplo: quais entrevistas foram realizadas pelo entrevistador Fulano entre os
anos tais e tais?) e também externas, via Portal do CPDOC. Como a base está ligada ao Portal,
no momento em que assinalamos que a entrevista está liberada, suas informações já podem
ser acessadas via Internet. Possibilitamos dois tipos de consulta: por entrevistado e por tema.
Nos dois casos, o internauta chega à janela de informações sobre a entrevista, que contém
todos os dados de um catálogo de depoimentos: título da entrevista, contexto em que foi
realizada e informações sobre o projeto, forma de consulta, tipo de entrevista, nomes dos
entrevistadores, data, local, duração, dados biográficos do entrevistado (data e local de
nascimento, formação, atividades profissionais), responsáveis pelas diversas etapas do
processamento (levantamento de dados e roteiro, conferência de fidelidade, sumário,
copidesque, técnico de som), temas da entrevista e sumário.
Há casos em que a entrevista é transformada em livro, o que significa que o texto
transcrito e conferido passa por uma verdadeira edição, que não modifica as palavras do
entrevistado, mas altera a ordem dos assuntos e elimina trechos repetidos. Muitas vezes as
entrevistas publicadas em livro não são disponibilizadas para consulta de outra forma, e isso
fica registrado na base e no Portal.
Do que foi dito até o momento já é possível concluir que existem três modalidades de
consulta às entrevistas do acervo do PHO: em texto, em áudio e em audiovisual. A primeira
modalidade, por sua vez, tem ainda três “submodalidades”: o texto em arquivo digital,
disponibilizado no Portal do CPDOC para download, o texto editado publicado em livro e,
finalmente, o texto datilografado (caso das entrevistas mais antigas do PHO), que não está
disponibilizado no Portal, mas pode ser solicitado em cópia xerox.
As entrevistas abertas em áudio e audiovisual só podem ser consultadas no CPDOC.
De um lado, porque ainda não procedemos à sua conversão para o formato digital e, de outro,
porque, mesmo se já as tivéssemos em mp3, por exemplo, ainda não temos claro se convém
divulgar na Internet ou mesmo ceder cópias em CD contendo as gravações na íntegra.
Uma entrevista pode ser consultada simultaneamente nas formas de texto e de áudio
ou audiovisual. Algumas vezes, contudo, o entrevistado só cede o texto revisto e aprovado por
ele, e veda o acesso à gravação. Essas restrições são registradas na base de dados e na
entrevista aberta à consulta, para que sejam efetivamente respeitadas.
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E quanto à tecnologia de gravação? Aos poucos, estamos adotando novos
procedimentos e abandonando a gravação em fita magnética analógica. Quando a entrevista é
feita nas dependências do CPDOC, a gravação tem sido feita diretamente em disco rígido no
formato wave (não comprimido) e, em seguida, duplicada em CD nos formatos wave e áudio.
Para cada hora ou fração grava-se um CD em cada um dos formatos. Mantemos o mesmo
princípio que tem norteado nossas atividades desde a implantação do programa: nunca gravar
entrevistas diferentes em uma mesma mídia. Se, por exemplo, em um CD ficarem apenas os
últimos 10 minutos de uma entrevista, o espaço restante fica livre. As entrevistas realizadas
fora do CPDOC estão sendo gravadas em minidisc e, em seguida, copiadas igualmente para
dois formatos em CD: wave e áudio.
Quanto às gravações em audiovisual, estamos utilizando uma câmera de vídeo digital,
e o resultado é copiado em dois formatos, dessa vez em DVD: um formato não comprimido
(avi) e outro comprimido (mpeg2). No primeiro formato, cada hora de vídeo gera três DVDs,
e no segundo, cada hora pode ser gravada em um único DVD.
Quando a entrevista deve ser transcrita, ainda fazemos uma cópia do áudio em fita
cassete, pois o gravador cassete permite voltar trechos muito curtos da fita – recurso
indispensável para uma boa transcrição. Em CD, isso exigiria que os transcritores tivessem
programas especiais em seus computadores (como o CD Architect, por exemplo), que
permitem a divisão do arquivo sonoro em faixas de alguns segundos. O tocador de CD
comum nem sempre permite que se volte brevemente a gravação para ouvir melhor o que foi
dito.
O tratamento como resultado de práticas cotidianas e reflexões teóricas
As decisões relativas à gestão do acervo de história oral do CPDOC, aí incluídos os
padrões de liberação dos documentos à consulta, foram sendo ajustadas às necessidades que
se apresentaram ao longo dos 30 anos de existência do PHO. Pelo menos até o início da
década de 1990, não se cogitava de liberar as entrevistas para consulta apenas em áudio ou em
audiovisual. A decisão foi tomada em função do enorme acúmulo de tarefas no processo de
passagem das entrevistas da forma oral para a escrita. Aos poucos, foram sendo definidas as
normas para esse tipo de liberação e hoje já temos boa parte do acervo aberto em áudio e
audiovisual (cerca de 30%). As modificações na própria constituição do acervo também
determinaram a padronização do relatório de entrevista, preenchido pelos entrevistadorespesquisadores.
E o desenvolvimento da base de dados – a definição das subtabelas, dos
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campos, das consultas e dos relatórios – seguiu de perto a prática e as necessidades do Centro.
Nesse sentido, aquilo que hoje serve como padrão de nossos procedimentos é fruto, em
grande parte, do ajuste cotidiano às novas realidades do trabalho com a história oral no
CPDOC.
Ao mesmo tempo, procuramos respeitar a especificidade dessa metodologia e da fonte
que dela resulta, em conformidade com as discussões de que participamos em fóruns
nacionais e internacionais – nas áreas de história oral e de arquivos sonoros e audiovisuais,
especialmente. Entretanto, muitas vezes as questões metodológicas tratadas nesses fóruns
passam longe dos aspectos técnicos envolvidos na preservação e no acesso a entrevistas de
história oral. São comuns os debates sobre a relação com o entrevistado e a construção da
memória e da narrativa, por exemplo, e raras as discussões sobre os cuidados com o
tratamento do acervo, que garantam sua longevidade e permitam uma consulta adequada das
fontes produzidas.7
Sabemos que toda fonte histórica deve ser vista como um “documento-monumento”,
conforme definido por Jacques Le Goff: longe de ser um resíduo imparcial e objetivo do
passado, o documento é carregado de intencionalidade; sua produção e sua preservação
resultam das relações de força que existiram e existem nas sociedades que o produziram. Cabe
ao historiador, diz Le Goff, “desestruturar esta construção e analisar as condições de produção
dos documentos-monumentos” – isso é condição inicial para toda boa análise de fontes
históricas.8
Ora, no caso da entrevista de história oral, a intencionalidade do documento já é dada
de saída, quando da própria escolha do entrevistado como pessoa importante a ser ouvida a
respeito do assunto estudado. E ela se prolonga por todas as etapas de realização e tratamento
da entrevista, transformada em documento de um acervo, aberta à consulta de pesquisadores.
Por isso, é muito importante que o público conte com uma série de informações a respeito das
condições de produção e de tratamento do material que está consultando: quais os objetivos
da entrevista e em que projeto está inserida?, que instituição é responsável pela entrevista?, há
instituição financiadora?, quem fez a entrevista?, havia outras pessoas, cuja presença possa ter
influenciado o curso da narrativa?, houve circunstâncias importantes que possam incidir sobre
a análise do que foi gravado?, qual a data, o local e a duração?, como foi feita a gravação? E
assim por diante. Algumas informações fazem parte da apresentação da entrevista (a folha de
7 Tive oportunidade de levantar essa questão no XI Congresso Internacional de História Oral, realizado em 2000,
em Istambul. Ver Alberti, 2000.
8 Le Goff, 1994.
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rosto e a ficha técnica). Outras são dadas em nota, no momento em que é preciso esclarecer
trechos da entrevista. Enfim, as informações são metadados (além dos dados da própria
entrevista) que esclarecem a “monumentalização” daquela fonte, nos termos de Le Goff.
A Associação dos Arquivistas Norte-americanos estabeleceu, em um guia de 1995,
que as seguintes informações são fundamentais na calalogação de entrevistas de história oral:
nome do entrevistado, data, quantidade (de fitas, por exemplo) ou duração, nome do
entrevistador, resumo do conteúdo, da natureza e do escopo da entrevista, restrições ao acesso
(se houver) e nome do projeto ou coleção (se houver). Outras informações que podem ser
acrescentadas às primeiras são: formato físico (gravação sonora, gravação em vídeo,
transcrição), informações biográficas do entrevistado, nomes de pessoas presentes,
financiadores, circunstâncias da entrevista, sumário, doadores (se houver), restrições de uso e
reprodução, materiais suplementares e registro de que a entrevista foi revista pelo entrevistado
(se for o caso).9 Observe-se que todas essas recomendações fazem sentido porque estamos
tratando de um documento muito específico, em cuja produção e preservação estão envolvidas
muitas variáveis.
No CPDOC, além dos dados indispensáveis à análise da entrevista, fornecemos,
quando é o caso, indicações de análises já realizadas. Insiste-se muitas vezes que o trabalho
com a história oral não deve se limitar à produção da entrevista. É preciso analisá-la à luz de
outras fontes – orais, textuais, iconográficas etc. Na gestão de um acervo de história oral,
convém sempre atualizar as informações sobre tais análises, acrescentando à ficha técnica do
depoimento as referências aos artigos, livros ou outras produções resultantes do trabalho com
aquela fonte.
Questão final
Não há dúvida de que o tratamento de acervos de história oral é muito importante para
sua preservação e correta socialização. Também não há dúvida de que os programas e centros
de pesquisa que trabalham com essa metodologia precisam realmente cuidar de seus acervos.
Não se começa nada com gravações não identificadas e jogadas no canto de uma sala, por
exemplo. Gravar entrevistas pode ser muito gratificante, mas o pesquisador não pode se
contentar com essa etapa. O trabalho com a história oral envolve um “antes”, um “durante” e
um “depois” da realização da entrevista, todos muito importantes para o resultado a ser
alcançado. De nada adianta também um acervo “mudo” – ou seja, cujo conteúdo é
9 Matters, 1995.
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desconhecido e não recuperável. É preciso elaborar instrumentos de auxílio à consulta e
indexar as entrevistas. E desenvolver ferramentas eficazes de busca. Tudo isso é muito
dispendioso, sabemos.
E se, mesmo com todos os cuidados devidamente tomados, o acervo for subutilizado?
Será que todos os projetos de história oral e todas as entrevistas gravadas são realmente
importantes para o estudo do passado e do presente? Para evitar esse tipo de dúvida, é
necessário ter muito claro o objetivo da pesquisa e a pertinência das entrevistas, antes de
começar a gravá-las. Um projeto bem estruturado ajuda a manter as diretrizes da pesquisa até
o final, e isso se aplica também ao cuidado com o acervo produzido.
No CPDOC temos uma inquietação: fazer com que o acervo seja mais explorado, em
seus variados aspectos – não só no que diz respeito à história política, mas aos modos de vida
e costumes, à linguagem, aos temas característicos de gerações ou grupos profissionais etc.
Quantas informações riquíssimas estão escondidas nessas quase cinco mil horas de histórias
gravadas! Mesmo que possam ser recuperadas pelos instrumentos de auxílio à consulta,
muitas vezes não são sequer procuradas. Como fazer com que essa riqueza ajude a ampliar o
conhecimento sobre nossa realidade? Este é um desafio para o gestor de um acervo de história
oral, e possivelmente de todo acervo histórico.
Referências bibliográficas
Alberti, Verena – 1998 - O acervo de história oral do CPDOC: trajetória de sua constituição.
Rio de Janeiro: CPDOC, 1998. 18f (disponível para download em www.cpdoc.fgv.br).
______ – 2000 – “How to deal with sound archives? Dilemmas on the technical preservation
or oral history interviews.” In: INTERNATIONAL ORAL HISTORY CONFERENCE
(11.:2000:Istanbul, Turkey). XI International Oral History Conference. Istanbul,
Turkey: International Oral History Association in collaboration with the Departament of
History at Bogazici University , 2000. v.1.p.1-8 (disponível para download em
www.cpdoc.fgv.br).
______ – 2004 – Manual de história oral. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getulio Vargas.
______ – 2005 - “Histórias dentro da história.” In: Pinsky, Carla (org.) Fontes históricas. São
Paulo, Contexto, 2005, p.155-202.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 11
Ferreira, Marieta de Moraes – 1996 – “História oral e tempo presente.”, in: Meihy, José
Carlos Sebe (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo, Xamã, p. 11-
21.
Le Goff, Jacques – 1984 – “Documento/monumento”. Enciclopédia Einaudi. v. 1: Memória –
História. s/l (Portugal), Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p.95-106.
Matters, Marion E. – 1995 – Oral History Cataloging Manual. Chicago,
Verena Alberti**
CPDOC-FGV
O Programa de História Oral (PHO) do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas foi criado há 30
anos, em 1975. Ao longo desses anos, produziu um acervo de mais de 1.300 entrevistas
gravadas, que correspondem a mais de 4.700 horas de gravação. As formas de tratamento das
entrevistas foram se modificando em função do volume do acervo, das demandas externas e
das condições de produção dos depoimentos. Boa parte do acervo encontra-se hoje aberta à
consulta, e as informações sobre as entrevistas estão disponíveis no Portal do CPDOC
(www.cpdoc.fgv.br). O objetivo desse trabalho é apresentar a experiência e a prática do
Programa de História Oral do CPDOC no que diz respeito ao tratamento das fontes orais,
atentando também para as dificuldades que enfrentamos para cuidar de sua preservação e do
acesso a elas.
Breve histórico do acervo do Programa de História Oral do CPDOC1
As primeiras entrevistas do Programa de História Oral do CPDOC começaram a ser
realizadas em 1975, seguindo em grande parte as orientações do I Curso Nacional de História
Oral, organizado pelo Subgrupo de História Oral do Grupo de Documentação em Ciências
Sociais (GDCS), que havia sido formado em dezembro do ano anterior por representantes da
Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, da Fundação Getulio Vargas e do Instituto
Brasileiro de Bibliografia e Documentação. Os professores convidados eram George P.
Browne, do Departamento de História da Seton Hall University, Nova Jersey; James e Edna
Wilkie, do Latin American Center da Universidade de Califórnia, e Eugenia Meyer, do
* Trabalho apresentado à Mesa II “Perspectivas e desafios no tratamento dos documentos orais” do I Encontro
de Documentação Oral do Mercosul, realizado durante o VI Congresso de Arquivologia do Mercosul, em
Campos do Jordão (SP), de 17 a 20 de outubro de 2005.
** Historiadora, mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
(PPGAS), Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutora em Teoria da Literatura pela
Universidade de Siegen (Alemanha). Coordenadora do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
Autora de Manual de história oral (Rio, Editora FGV, 2004) e Ouvir contar: textos em história oral (Rio,
Editora FGV, 2004). Foi presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO) entre 2002 e 2004.
1 A esse respeito, ver também Alberti, 1998.
ALBERTI, Verena. Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC,
2005. 11f.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 2
Instituto Nacional de Antropologia do México.2 Esse início garantiu ao PHO uma certa
uniformidade nas atividades de realização e tratamento das entrevistas. Desde o começo, o
tratamento incluía a duplicação da gravação, para a formação do acervo de segurança; a
passagem da entrevista para a forma escrita – na qual se sucediam as etapas de transcrição,
conferência de fidelidade da transcrição, copidesque e leitura final; a elaboração instrumentos
de auxílio à pesquisa – como o sumário e os índices temático e onomástico – e, finalmente, a
liberação para consulta, com a elaboração de ficha técnica, folha de rosto e ficha
catalográfica.
Com o passar dos anos, as mudanças na forma de constituição do acervo, a redução da
equipe e as possibilidades engendradas pela informática acabaram levando a transformações
importantes. No que diz respeito à constituição do acervo, chama atenção a variedade de
projetos que dão origem, hoje, às entrevistas. Os primeiros dez anos de existência do PHO do
CPDOC foram marcados pelo desenvolvimento do projeto “Trajetória e desempenho das
elites políticas brasileiras de 1930 até os dias de hoje”, que objetivava examinar o processo de
montagem do Estado brasileiro, como forma, inclusive, de compreender como se chegara ao
regime militar então vigente.3 Com o tempo formaram-se, no interior desse projeto, eixos
temáticos que abarcavam grupos regionais (políticos da Paraíba e do Rio Grande do Sul, por
exemplo) e de acordo com sua atuação: militares, diplomatas, tecnocratas, intelectuais etc. No
final dos anos 80 e mais claramente a partir de meados dos anos 90, o acervo do PHO passou
a ser enriquecido com entrevistas de projetos de duração limitada, muitas vezes resultados de
convênios e parcerias, como os que se voltaram para a formação de instituições do Estado
(Petrobrás, Eletrobrás, Banco Central do Brasil, BNDES, Inmetro, Ipea), para a constituição
de entidades de ensino público e privado (Impa, Capes, Ebape, universidades privadas), ou
para campos específicos, como a atividade de seguros, o urbanismo e a ação de organismos
governamentais e não governamentais nas favelas – para citar apenas algumas das frentes
abertas. Atualmente 55 projetos que geraram e geram entrevistas de história oral estão
cadastrados na base de dados do PHO, número que aumenta expressivamente a cada ano.
Nesse novo cenário, são raras as entrevistas realizadas exclusivamente no contexto do projeto
“Trajetória e desempenho das elites políticas”, ainda que a maioria dos novos projetos tenha
muita relação com a temática inicial.
2 Sobre esse curso, ver Ferreira, 1996, e Alberti, 2005.
3 Paralelamente ao projeto “Trajetória e desempenho das elites políticas brasileiras”, Simon Schwartzman
desenvolveu, entre 1975 e 1978, a pesquisa “História da ciência no Brasil”, que resultou em mais de 70
entrevistas com cientistas brasileiros de várias gerações, sobre sua vida profissional e a natureza da atividade
científica no Brasil e no mundo.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 3
A equipe que produz e processa essas entrevistas também não é mais aquele grupo de
cerca de seis pesquisadores permanentes que havia no início do PHO, todos cuidando das
várias atividades envolvidas na constituição e na divulgação do acervo. Hoje cada projeto está
a cargo de um ou mais pesquisadores do CPDOC, que desempenham outras atividades
concomitantes, e não raro tarefas como a conferência de fidelidade e a elaboração de sumário
são feitas por auxiliares temporários, não especializados na metodologia da história oral.
O PHO teve, pois, de se ajustar aos novos tempos, mas podemos dizer que as bases
lançadas em 1975 permanecem, orientando sua prática até hoje. As unidades do acervo
continuam sendo as entrevistas, agora necessariamente atreladas a seus projetos; as
informações sobre cada entrevista disponibilizada ao público são as mesmas que eram
apresentadas no primeiro catálogo do PHO publicado em 1981, e, ainda que não passemos
mais todas as entrevistas para a forma escrita, o sumário e o índice temático são produzidos
para todos os depoimentos liberados à consulta.
Outra transformação importante decorreu da necessidade de estabelecermos
mecanismos eficazes de controle das entrevistas gravadas, tendo em vista o volume do acervo
produzido ao longo desses 30 anos. Nos últimos quatro anos foram realizadas em média mais
de 60 entrevistas por ano, que correspondem a uma média também anual de mais de 140 horas
gravadas. Para dar conta das entrevistas já realizadas e das que são gravadas nos diferentes
projetos desenvolvidos pelo Centro, foi necessária a constituição de uma base de dados
bastante complexa, capaz de abarcar praticamente todas as variáveis envolvidas no trabalho
com a história oral do CPDOC. Esse instrumento de gestão do acervo de entrevistas foi
concebido e desenvolvido internamente e conta com o suporte técnico da Divisão de
Tecnologia da Informação da Fundação Getulio Vargas. Através dele podemos gerar
catálogos de depoimentos e uma série de relatórios úteis para o planejamento de nossas
atividades. Por exemplo, responder a perguntas do tipo: quais entrevistas ainda não estão
liberadas para consulta e por quê?, quais entrevistas não têm carta de cessão?, quais
entrevistas foram realizadas no contexto do projeto x?, quais entrevistas abordam o tema y?
Se compararmos essa agilidade com o tempo das fichas de cartolina e das listas sempre
emendadas à mão, não podemos deixar de considerar que avançamos bastante.4
4 Sobre a base de dados, ver Alberti, 2004, capítulo 8.
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Alguns problemas
Restam, porém, alguns problemas, que parecem ser típicos de programas de história
oral. Dois deles são antigos e acompanham a trajetória do PHO desde o início: a dificuldade
de liberar entrevistas no mesmo ritmo em que elas são gravadas e as restrições, ou mesmo
proibições, impostas pelo entrevistado para a abertura de seu depoimento à consulta. O
resultado disso é que há sempre uma grande defasagem entre o número de entrevistas
realizadas e o número de entrevistas abertas. No caso do CPDOC essa defasagem é muito
grande: 36% do volume do acervo permanecem fechados à consulta, seja porque não foi
tratado ainda, seja porque as entrevistas não têm carta de cessão (cerca de 15% do total de
horas gravadas).5 Por isso temos a sensação de estarmos sempre “correndo atrás” para
cumprir o percurso que permite a socialização do nosso acervo.
Outro problema diz respeito à tecnologia de gravação. Quando o PHO foi criado, fazia
as gravações em fita rolo (transformadas no acervo de segurança) e cassete (transformadas no
acervo para uso e consulta). Hoje é necessário estar permanentemente atento às tecnologias de
gravação, dado o perigo de se tornarem obsoletas e não permitirem mais a audição do que foi
gravado. Entrevistas em áudio ou em vídeo não podem ser consultadas prescindindo-se de um
equipamento de “leitura”. Por isso, mesmo que as fitas de rolo do nosso acervo estejam em
perfeito estado de conservação, em breve não poderemos mais ouvi-las, pois faltarão
gravadores de rolo no mercado. Isso significa que temos de migrar as gravações para um
formato digital suficientemente seguro – ou seja, largamente utilizado e passível de ser
migrado para outro formato antes de se tornar ele mesmo obsoleto. Além disso, é preciso estar
atento para o formato e a tecnologia de gravação a serem empregados na produção de novas
entrevistas: gravação em disco rígido no formato wave e mp3?, gravação em minidisc?, cópia
em CD?, ou em DVD? Os conhecimentos que devem ter os gestores de programas de história
oral estão muito mais complexos do que há 30 anos, quando se tinha certeza de que as fitas
magnéticas, se bem cuidadas, poderiam durar muito tempo.6
A prática do PHO do CPDOC
Comecemos pelo percurso atual de uma entrevista no CPDOC. Tão logo é gravada
(mesmo que seja apenas a primeira sessão), o técnico de som providencia a duplicação da
5 Esse cálculo é feito sobre o número de horas gravadas (chamadas aqui de “volume do acervo”). Quando se
calcula sobre o número de entrevistas, a defasagem aumenta muito: 47% das entrevistas ainda permanecem
fechadas à consulta; 24% porque não têm carta de cessão.
6 Sobre a tecnologia de gravação e o equipamento em projetos de história oral, ver Alberti, 2004, capítulo 3.
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gravação (em áudio e vídeo, se for o caso) e é criado um registro na base de dados contendo
os elementos já conhecidos: título da entrevista, nome dos entrevistadores, projeto, local, data,
duração e suporte(s) de gravação (fita cassete, fita rolo, CD, vídeo VHS, vídeo digital,
minidisc...). Solicita-se ao entrevistador que preencha um relatório fornecendo as seguintes
informações: razões da escolha do entrevistado e objetivo da entrevista, dados biográficos e
cadastrais do entrevistado, tipo de entrevista, responsáveis pelo levantamento de dados e
roteiro, dados sobre o projeto, observações sobre o andamento da entrevista – uma espécie de
caderno de campo, onde são registrados dados do tipo: forma de contato com o entrevistado,
outras pessoas presentes à entrevista, objeções do entrevistado à carta de cessão, interrupções
prolongadas entre uma sessão e outra, mudanças de local de entrevista etc. O entrevistador
também fica responsável pela obtenção da carta de cessão, que é entregue ao PHO juntamente
com o relatório, depois do encerramento da entrevista. Nesse momento, temos condição de
acrescentar ao registro da base de dados as informações extraídas do relatório e a data de
assinatura da carta de cessão, que é devidamente arquivada.
Dependendo do projeto, a entrevista deverá ser transcrita, o que é feito por prestador
de serviço. A transcrição é guardada como arquivo digital e é enviada para o pesquisadorentrevistador,
que lhe dará o encaminhamento necessário: conferência de fidelidade
(incluindo notas), copidesque e elaboração de sumário. Na base de dados, são inseridos os
nomes dos responsáveis por cada uma dessas tarefas, os quais aparecem posteriormente na
ficha técnica da entrevista, conforme o padrão instituído em 1975, na implantação do
programa. Quando a entrevista retorna ao PHO, elaboramos seu índice temático com base no
sumário e arquivamos o texto em sua versão final. Os dados inseridos na base permitem gerar
o relatório de liberação da entrevista, que traz a folha de rosto (com as normas de citação), a
ficha técnica e o sumário. A esse relatório acrescentamos o texto em sua versão final, e o
conjunto é disponibilizado no Portal do CPDOC para download.
Quando todo esse percurso é realizado a contento, podemos ficar satisfeitos. O
problema é que não raro alguma coisa atravessa o caminho e a entrevista não é
completamente tratada. Nesses casos, e também nos casos em que não foram previstos os
gastos com a passagem da entrevista para a forma escrita, optamos por liberá-la em áudio ou
em audiovisual, desde que o entrevistado não tenha feito objeção a essa forma de liberação.
Elaboramos seu sumário e indexamos os assuntos, gerando em seguida também o relatório de
liberação da entrevista. Neste caso, a entrevista liberada terá folha de rosto (com normas de
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citação do áudio ou do vídeo), ficha técnica e sumário, mas não terá, evidentemente, o texto
transcrito.
As informações cadastradas na base de dados permitem uma série de consultas
internas (por exemplo: quais entrevistas foram realizadas pelo entrevistador Fulano entre os
anos tais e tais?) e também externas, via Portal do CPDOC. Como a base está ligada ao Portal,
no momento em que assinalamos que a entrevista está liberada, suas informações já podem
ser acessadas via Internet. Possibilitamos dois tipos de consulta: por entrevistado e por tema.
Nos dois casos, o internauta chega à janela de informações sobre a entrevista, que contém
todos os dados de um catálogo de depoimentos: título da entrevista, contexto em que foi
realizada e informações sobre o projeto, forma de consulta, tipo de entrevista, nomes dos
entrevistadores, data, local, duração, dados biográficos do entrevistado (data e local de
nascimento, formação, atividades profissionais), responsáveis pelas diversas etapas do
processamento (levantamento de dados e roteiro, conferência de fidelidade, sumário,
copidesque, técnico de som), temas da entrevista e sumário.
Há casos em que a entrevista é transformada em livro, o que significa que o texto
transcrito e conferido passa por uma verdadeira edição, que não modifica as palavras do
entrevistado, mas altera a ordem dos assuntos e elimina trechos repetidos. Muitas vezes as
entrevistas publicadas em livro não são disponibilizadas para consulta de outra forma, e isso
fica registrado na base e no Portal.
Do que foi dito até o momento já é possível concluir que existem três modalidades de
consulta às entrevistas do acervo do PHO: em texto, em áudio e em audiovisual. A primeira
modalidade, por sua vez, tem ainda três “submodalidades”: o texto em arquivo digital,
disponibilizado no Portal do CPDOC para download, o texto editado publicado em livro e,
finalmente, o texto datilografado (caso das entrevistas mais antigas do PHO), que não está
disponibilizado no Portal, mas pode ser solicitado em cópia xerox.
As entrevistas abertas em áudio e audiovisual só podem ser consultadas no CPDOC.
De um lado, porque ainda não procedemos à sua conversão para o formato digital e, de outro,
porque, mesmo se já as tivéssemos em mp3, por exemplo, ainda não temos claro se convém
divulgar na Internet ou mesmo ceder cópias em CD contendo as gravações na íntegra.
Uma entrevista pode ser consultada simultaneamente nas formas de texto e de áudio
ou audiovisual. Algumas vezes, contudo, o entrevistado só cede o texto revisto e aprovado por
ele, e veda o acesso à gravação. Essas restrições são registradas na base de dados e na
entrevista aberta à consulta, para que sejam efetivamente respeitadas.
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E quanto à tecnologia de gravação? Aos poucos, estamos adotando novos
procedimentos e abandonando a gravação em fita magnética analógica. Quando a entrevista é
feita nas dependências do CPDOC, a gravação tem sido feita diretamente em disco rígido no
formato wave (não comprimido) e, em seguida, duplicada em CD nos formatos wave e áudio.
Para cada hora ou fração grava-se um CD em cada um dos formatos. Mantemos o mesmo
princípio que tem norteado nossas atividades desde a implantação do programa: nunca gravar
entrevistas diferentes em uma mesma mídia. Se, por exemplo, em um CD ficarem apenas os
últimos 10 minutos de uma entrevista, o espaço restante fica livre. As entrevistas realizadas
fora do CPDOC estão sendo gravadas em minidisc e, em seguida, copiadas igualmente para
dois formatos em CD: wave e áudio.
Quanto às gravações em audiovisual, estamos utilizando uma câmera de vídeo digital,
e o resultado é copiado em dois formatos, dessa vez em DVD: um formato não comprimido
(avi) e outro comprimido (mpeg2). No primeiro formato, cada hora de vídeo gera três DVDs,
e no segundo, cada hora pode ser gravada em um único DVD.
Quando a entrevista deve ser transcrita, ainda fazemos uma cópia do áudio em fita
cassete, pois o gravador cassete permite voltar trechos muito curtos da fita – recurso
indispensável para uma boa transcrição. Em CD, isso exigiria que os transcritores tivessem
programas especiais em seus computadores (como o CD Architect, por exemplo), que
permitem a divisão do arquivo sonoro em faixas de alguns segundos. O tocador de CD
comum nem sempre permite que se volte brevemente a gravação para ouvir melhor o que foi
dito.
O tratamento como resultado de práticas cotidianas e reflexões teóricas
As decisões relativas à gestão do acervo de história oral do CPDOC, aí incluídos os
padrões de liberação dos documentos à consulta, foram sendo ajustadas às necessidades que
se apresentaram ao longo dos 30 anos de existência do PHO. Pelo menos até o início da
década de 1990, não se cogitava de liberar as entrevistas para consulta apenas em áudio ou em
audiovisual. A decisão foi tomada em função do enorme acúmulo de tarefas no processo de
passagem das entrevistas da forma oral para a escrita. Aos poucos, foram sendo definidas as
normas para esse tipo de liberação e hoje já temos boa parte do acervo aberto em áudio e
audiovisual (cerca de 30%). As modificações na própria constituição do acervo também
determinaram a padronização do relatório de entrevista, preenchido pelos entrevistadorespesquisadores.
E o desenvolvimento da base de dados – a definição das subtabelas, dos
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campos, das consultas e dos relatórios – seguiu de perto a prática e as necessidades do Centro.
Nesse sentido, aquilo que hoje serve como padrão de nossos procedimentos é fruto, em
grande parte, do ajuste cotidiano às novas realidades do trabalho com a história oral no
CPDOC.
Ao mesmo tempo, procuramos respeitar a especificidade dessa metodologia e da fonte
que dela resulta, em conformidade com as discussões de que participamos em fóruns
nacionais e internacionais – nas áreas de história oral e de arquivos sonoros e audiovisuais,
especialmente. Entretanto, muitas vezes as questões metodológicas tratadas nesses fóruns
passam longe dos aspectos técnicos envolvidos na preservação e no acesso a entrevistas de
história oral. São comuns os debates sobre a relação com o entrevistado e a construção da
memória e da narrativa, por exemplo, e raras as discussões sobre os cuidados com o
tratamento do acervo, que garantam sua longevidade e permitam uma consulta adequada das
fontes produzidas.7
Sabemos que toda fonte histórica deve ser vista como um “documento-monumento”,
conforme definido por Jacques Le Goff: longe de ser um resíduo imparcial e objetivo do
passado, o documento é carregado de intencionalidade; sua produção e sua preservação
resultam das relações de força que existiram e existem nas sociedades que o produziram. Cabe
ao historiador, diz Le Goff, “desestruturar esta construção e analisar as condições de produção
dos documentos-monumentos” – isso é condição inicial para toda boa análise de fontes
históricas.8
Ora, no caso da entrevista de história oral, a intencionalidade do documento já é dada
de saída, quando da própria escolha do entrevistado como pessoa importante a ser ouvida a
respeito do assunto estudado. E ela se prolonga por todas as etapas de realização e tratamento
da entrevista, transformada em documento de um acervo, aberta à consulta de pesquisadores.
Por isso, é muito importante que o público conte com uma série de informações a respeito das
condições de produção e de tratamento do material que está consultando: quais os objetivos
da entrevista e em que projeto está inserida?, que instituição é responsável pela entrevista?, há
instituição financiadora?, quem fez a entrevista?, havia outras pessoas, cuja presença possa ter
influenciado o curso da narrativa?, houve circunstâncias importantes que possam incidir sobre
a análise do que foi gravado?, qual a data, o local e a duração?, como foi feita a gravação? E
assim por diante. Algumas informações fazem parte da apresentação da entrevista (a folha de
7 Tive oportunidade de levantar essa questão no XI Congresso Internacional de História Oral, realizado em 2000,
em Istambul. Ver Alberti, 2000.
8 Le Goff, 1994.
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rosto e a ficha técnica). Outras são dadas em nota, no momento em que é preciso esclarecer
trechos da entrevista. Enfim, as informações são metadados (além dos dados da própria
entrevista) que esclarecem a “monumentalização” daquela fonte, nos termos de Le Goff.
A Associação dos Arquivistas Norte-americanos estabeleceu, em um guia de 1995,
que as seguintes informações são fundamentais na calalogação de entrevistas de história oral:
nome do entrevistado, data, quantidade (de fitas, por exemplo) ou duração, nome do
entrevistador, resumo do conteúdo, da natureza e do escopo da entrevista, restrições ao acesso
(se houver) e nome do projeto ou coleção (se houver). Outras informações que podem ser
acrescentadas às primeiras são: formato físico (gravação sonora, gravação em vídeo,
transcrição), informações biográficas do entrevistado, nomes de pessoas presentes,
financiadores, circunstâncias da entrevista, sumário, doadores (se houver), restrições de uso e
reprodução, materiais suplementares e registro de que a entrevista foi revista pelo entrevistado
(se for o caso).9 Observe-se que todas essas recomendações fazem sentido porque estamos
tratando de um documento muito específico, em cuja produção e preservação estão envolvidas
muitas variáveis.
No CPDOC, além dos dados indispensáveis à análise da entrevista, fornecemos,
quando é o caso, indicações de análises já realizadas. Insiste-se muitas vezes que o trabalho
com a história oral não deve se limitar à produção da entrevista. É preciso analisá-la à luz de
outras fontes – orais, textuais, iconográficas etc. Na gestão de um acervo de história oral,
convém sempre atualizar as informações sobre tais análises, acrescentando à ficha técnica do
depoimento as referências aos artigos, livros ou outras produções resultantes do trabalho com
aquela fonte.
Questão final
Não há dúvida de que o tratamento de acervos de história oral é muito importante para
sua preservação e correta socialização. Também não há dúvida de que os programas e centros
de pesquisa que trabalham com essa metodologia precisam realmente cuidar de seus acervos.
Não se começa nada com gravações não identificadas e jogadas no canto de uma sala, por
exemplo. Gravar entrevistas pode ser muito gratificante, mas o pesquisador não pode se
contentar com essa etapa. O trabalho com a história oral envolve um “antes”, um “durante” e
um “depois” da realização da entrevista, todos muito importantes para o resultado a ser
alcançado. De nada adianta também um acervo “mudo” – ou seja, cujo conteúdo é
9 Matters, 1995.
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desconhecido e não recuperável. É preciso elaborar instrumentos de auxílio à consulta e
indexar as entrevistas. E desenvolver ferramentas eficazes de busca. Tudo isso é muito
dispendioso, sabemos.
E se, mesmo com todos os cuidados devidamente tomados, o acervo for subutilizado?
Será que todos os projetos de história oral e todas as entrevistas gravadas são realmente
importantes para o estudo do passado e do presente? Para evitar esse tipo de dúvida, é
necessário ter muito claro o objetivo da pesquisa e a pertinência das entrevistas, antes de
começar a gravá-las. Um projeto bem estruturado ajuda a manter as diretrizes da pesquisa até
o final, e isso se aplica também ao cuidado com o acervo produzido.
No CPDOC temos uma inquietação: fazer com que o acervo seja mais explorado, em
seus variados aspectos – não só no que diz respeito à história política, mas aos modos de vida
e costumes, à linguagem, aos temas característicos de gerações ou grupos profissionais etc.
Quantas informações riquíssimas estão escondidas nessas quase cinco mil horas de histórias
gravadas! Mesmo que possam ser recuperadas pelos instrumentos de auxílio à consulta,
muitas vezes não são sequer procuradas. Como fazer com que essa riqueza ajude a ampliar o
conhecimento sobre nossa realidade? Este é um desafio para o gestor de um acervo de história
oral, e possivelmente de todo acervo histórico.
Referências bibliográficas
Alberti, Verena – 1998 - O acervo de história oral do CPDOC: trajetória de sua constituição.
Rio de Janeiro: CPDOC, 1998. 18f (disponível para download em www.cpdoc.fgv.br).
______ – 2000 – “How to deal with sound archives? Dilemmas on the technical preservation
or oral history interviews.” In: INTERNATIONAL ORAL HISTORY CONFERENCE
(11.:2000:Istanbul, Turkey). XI International Oral History Conference. Istanbul,
Turkey: International Oral History Association in collaboration with the Departament of
History at Bogazici University , 2000. v.1.p.1-8 (disponível para download em
www.cpdoc.fgv.br).
______ – 2004 – Manual de história oral. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getulio Vargas.
______ – 2005 - “Histórias dentro da história.” In: Pinsky, Carla (org.) Fontes históricas. São
Paulo, Contexto, 2005, p.155-202.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 11
Ferreira, Marieta de Moraes – 1996 – “História oral e tempo presente.”, in: Meihy, José
Carlos Sebe (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo, Xamã, p. 11-
21.
Le Goff, Jacques – 1984 – “Documento/monumento”. Enciclopédia Einaudi. v. 1: Memória –
História. s/l (Portugal), Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p.95-106.
Matters, Marion E. – 1995 – Oral History Cataloging Manual. Chicago,
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