Este video mostra.... Você tem que ver para saber.
http://www.youtube.com/watch?v=lgmTfPzLl4E
Este blog foi criado para todos aqueles que, desejam embarcar em uma grande viagem histórica, viagem essa que não tem um ponto de chegada,e que para compreendermos como se dar a decolagem precisamos nos remeter a estação inicial.
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Para complementar a Leitura...
TRATAMENTO DAS ENTREVISTAS DE HISTÓRIA ORAL NO CPDOC*
Verena Alberti**
CPDOC-FGV
O Programa de História Oral (PHO) do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas foi criado há 30
anos, em 1975. Ao longo desses anos, produziu um acervo de mais de 1.300 entrevistas
gravadas, que correspondem a mais de 4.700 horas de gravação. As formas de tratamento das
entrevistas foram se modificando em função do volume do acervo, das demandas externas e
das condições de produção dos depoimentos. Boa parte do acervo encontra-se hoje aberta à
consulta, e as informações sobre as entrevistas estão disponíveis no Portal do CPDOC
(www.cpdoc.fgv.br). O objetivo desse trabalho é apresentar a experiência e a prática do
Programa de História Oral do CPDOC no que diz respeito ao tratamento das fontes orais,
atentando também para as dificuldades que enfrentamos para cuidar de sua preservação e do
acesso a elas.
Breve histórico do acervo do Programa de História Oral do CPDOC1
As primeiras entrevistas do Programa de História Oral do CPDOC começaram a ser
realizadas em 1975, seguindo em grande parte as orientações do I Curso Nacional de História
Oral, organizado pelo Subgrupo de História Oral do Grupo de Documentação em Ciências
Sociais (GDCS), que havia sido formado em dezembro do ano anterior por representantes da
Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, da Fundação Getulio Vargas e do Instituto
Brasileiro de Bibliografia e Documentação. Os professores convidados eram George P.
Browne, do Departamento de História da Seton Hall University, Nova Jersey; James e Edna
Wilkie, do Latin American Center da Universidade de Califórnia, e Eugenia Meyer, do
* Trabalho apresentado à Mesa II “Perspectivas e desafios no tratamento dos documentos orais” do I Encontro
de Documentação Oral do Mercosul, realizado durante o VI Congresso de Arquivologia do Mercosul, em
Campos do Jordão (SP), de 17 a 20 de outubro de 2005.
** Historiadora, mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
(PPGAS), Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutora em Teoria da Literatura pela
Universidade de Siegen (Alemanha). Coordenadora do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
Autora de Manual de história oral (Rio, Editora FGV, 2004) e Ouvir contar: textos em história oral (Rio,
Editora FGV, 2004). Foi presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO) entre 2002 e 2004.
1 A esse respeito, ver também Alberti, 1998.
ALBERTI, Verena. Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC,
2005. 11f.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 2
Instituto Nacional de Antropologia do México.2 Esse início garantiu ao PHO uma certa
uniformidade nas atividades de realização e tratamento das entrevistas. Desde o começo, o
tratamento incluía a duplicação da gravação, para a formação do acervo de segurança; a
passagem da entrevista para a forma escrita – na qual se sucediam as etapas de transcrição,
conferência de fidelidade da transcrição, copidesque e leitura final; a elaboração instrumentos
de auxílio à pesquisa – como o sumário e os índices temático e onomástico – e, finalmente, a
liberação para consulta, com a elaboração de ficha técnica, folha de rosto e ficha
catalográfica.
Com o passar dos anos, as mudanças na forma de constituição do acervo, a redução da
equipe e as possibilidades engendradas pela informática acabaram levando a transformações
importantes. No que diz respeito à constituição do acervo, chama atenção a variedade de
projetos que dão origem, hoje, às entrevistas. Os primeiros dez anos de existência do PHO do
CPDOC foram marcados pelo desenvolvimento do projeto “Trajetória e desempenho das
elites políticas brasileiras de 1930 até os dias de hoje”, que objetivava examinar o processo de
montagem do Estado brasileiro, como forma, inclusive, de compreender como se chegara ao
regime militar então vigente.3 Com o tempo formaram-se, no interior desse projeto, eixos
temáticos que abarcavam grupos regionais (políticos da Paraíba e do Rio Grande do Sul, por
exemplo) e de acordo com sua atuação: militares, diplomatas, tecnocratas, intelectuais etc. No
final dos anos 80 e mais claramente a partir de meados dos anos 90, o acervo do PHO passou
a ser enriquecido com entrevistas de projetos de duração limitada, muitas vezes resultados de
convênios e parcerias, como os que se voltaram para a formação de instituições do Estado
(Petrobrás, Eletrobrás, Banco Central do Brasil, BNDES, Inmetro, Ipea), para a constituição
de entidades de ensino público e privado (Impa, Capes, Ebape, universidades privadas), ou
para campos específicos, como a atividade de seguros, o urbanismo e a ação de organismos
governamentais e não governamentais nas favelas – para citar apenas algumas das frentes
abertas. Atualmente 55 projetos que geraram e geram entrevistas de história oral estão
cadastrados na base de dados do PHO, número que aumenta expressivamente a cada ano.
Nesse novo cenário, são raras as entrevistas realizadas exclusivamente no contexto do projeto
“Trajetória e desempenho das elites políticas”, ainda que a maioria dos novos projetos tenha
muita relação com a temática inicial.
2 Sobre esse curso, ver Ferreira, 1996, e Alberti, 2005.
3 Paralelamente ao projeto “Trajetória e desempenho das elites políticas brasileiras”, Simon Schwartzman
desenvolveu, entre 1975 e 1978, a pesquisa “História da ciência no Brasil”, que resultou em mais de 70
entrevistas com cientistas brasileiros de várias gerações, sobre sua vida profissional e a natureza da atividade
científica no Brasil e no mundo.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 3
A equipe que produz e processa essas entrevistas também não é mais aquele grupo de
cerca de seis pesquisadores permanentes que havia no início do PHO, todos cuidando das
várias atividades envolvidas na constituição e na divulgação do acervo. Hoje cada projeto está
a cargo de um ou mais pesquisadores do CPDOC, que desempenham outras atividades
concomitantes, e não raro tarefas como a conferência de fidelidade e a elaboração de sumário
são feitas por auxiliares temporários, não especializados na metodologia da história oral.
O PHO teve, pois, de se ajustar aos novos tempos, mas podemos dizer que as bases
lançadas em 1975 permanecem, orientando sua prática até hoje. As unidades do acervo
continuam sendo as entrevistas, agora necessariamente atreladas a seus projetos; as
informações sobre cada entrevista disponibilizada ao público são as mesmas que eram
apresentadas no primeiro catálogo do PHO publicado em 1981, e, ainda que não passemos
mais todas as entrevistas para a forma escrita, o sumário e o índice temático são produzidos
para todos os depoimentos liberados à consulta.
Outra transformação importante decorreu da necessidade de estabelecermos
mecanismos eficazes de controle das entrevistas gravadas, tendo em vista o volume do acervo
produzido ao longo desses 30 anos. Nos últimos quatro anos foram realizadas em média mais
de 60 entrevistas por ano, que correspondem a uma média também anual de mais de 140 horas
gravadas. Para dar conta das entrevistas já realizadas e das que são gravadas nos diferentes
projetos desenvolvidos pelo Centro, foi necessária a constituição de uma base de dados
bastante complexa, capaz de abarcar praticamente todas as variáveis envolvidas no trabalho
com a história oral do CPDOC. Esse instrumento de gestão do acervo de entrevistas foi
concebido e desenvolvido internamente e conta com o suporte técnico da Divisão de
Tecnologia da Informação da Fundação Getulio Vargas. Através dele podemos gerar
catálogos de depoimentos e uma série de relatórios úteis para o planejamento de nossas
atividades. Por exemplo, responder a perguntas do tipo: quais entrevistas ainda não estão
liberadas para consulta e por quê?, quais entrevistas não têm carta de cessão?, quais
entrevistas foram realizadas no contexto do projeto x?, quais entrevistas abordam o tema y?
Se compararmos essa agilidade com o tempo das fichas de cartolina e das listas sempre
emendadas à mão, não podemos deixar de considerar que avançamos bastante.4
4 Sobre a base de dados, ver Alberti, 2004, capítulo 8.
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Alguns problemas
Restam, porém, alguns problemas, que parecem ser típicos de programas de história
oral. Dois deles são antigos e acompanham a trajetória do PHO desde o início: a dificuldade
de liberar entrevistas no mesmo ritmo em que elas são gravadas e as restrições, ou mesmo
proibições, impostas pelo entrevistado para a abertura de seu depoimento à consulta. O
resultado disso é que há sempre uma grande defasagem entre o número de entrevistas
realizadas e o número de entrevistas abertas. No caso do CPDOC essa defasagem é muito
grande: 36% do volume do acervo permanecem fechados à consulta, seja porque não foi
tratado ainda, seja porque as entrevistas não têm carta de cessão (cerca de 15% do total de
horas gravadas).5 Por isso temos a sensação de estarmos sempre “correndo atrás” para
cumprir o percurso que permite a socialização do nosso acervo.
Outro problema diz respeito à tecnologia de gravação. Quando o PHO foi criado, fazia
as gravações em fita rolo (transformadas no acervo de segurança) e cassete (transformadas no
acervo para uso e consulta). Hoje é necessário estar permanentemente atento às tecnologias de
gravação, dado o perigo de se tornarem obsoletas e não permitirem mais a audição do que foi
gravado. Entrevistas em áudio ou em vídeo não podem ser consultadas prescindindo-se de um
equipamento de “leitura”. Por isso, mesmo que as fitas de rolo do nosso acervo estejam em
perfeito estado de conservação, em breve não poderemos mais ouvi-las, pois faltarão
gravadores de rolo no mercado. Isso significa que temos de migrar as gravações para um
formato digital suficientemente seguro – ou seja, largamente utilizado e passível de ser
migrado para outro formato antes de se tornar ele mesmo obsoleto. Além disso, é preciso estar
atento para o formato e a tecnologia de gravação a serem empregados na produção de novas
entrevistas: gravação em disco rígido no formato wave e mp3?, gravação em minidisc?, cópia
em CD?, ou em DVD? Os conhecimentos que devem ter os gestores de programas de história
oral estão muito mais complexos do que há 30 anos, quando se tinha certeza de que as fitas
magnéticas, se bem cuidadas, poderiam durar muito tempo.6
A prática do PHO do CPDOC
Comecemos pelo percurso atual de uma entrevista no CPDOC. Tão logo é gravada
(mesmo que seja apenas a primeira sessão), o técnico de som providencia a duplicação da
5 Esse cálculo é feito sobre o número de horas gravadas (chamadas aqui de “volume do acervo”). Quando se
calcula sobre o número de entrevistas, a defasagem aumenta muito: 47% das entrevistas ainda permanecem
fechadas à consulta; 24% porque não têm carta de cessão.
6 Sobre a tecnologia de gravação e o equipamento em projetos de história oral, ver Alberti, 2004, capítulo 3.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 5
gravação (em áudio e vídeo, se for o caso) e é criado um registro na base de dados contendo
os elementos já conhecidos: título da entrevista, nome dos entrevistadores, projeto, local, data,
duração e suporte(s) de gravação (fita cassete, fita rolo, CD, vídeo VHS, vídeo digital,
minidisc...). Solicita-se ao entrevistador que preencha um relatório fornecendo as seguintes
informações: razões da escolha do entrevistado e objetivo da entrevista, dados biográficos e
cadastrais do entrevistado, tipo de entrevista, responsáveis pelo levantamento de dados e
roteiro, dados sobre o projeto, observações sobre o andamento da entrevista – uma espécie de
caderno de campo, onde são registrados dados do tipo: forma de contato com o entrevistado,
outras pessoas presentes à entrevista, objeções do entrevistado à carta de cessão, interrupções
prolongadas entre uma sessão e outra, mudanças de local de entrevista etc. O entrevistador
também fica responsável pela obtenção da carta de cessão, que é entregue ao PHO juntamente
com o relatório, depois do encerramento da entrevista. Nesse momento, temos condição de
acrescentar ao registro da base de dados as informações extraídas do relatório e a data de
assinatura da carta de cessão, que é devidamente arquivada.
Dependendo do projeto, a entrevista deverá ser transcrita, o que é feito por prestador
de serviço. A transcrição é guardada como arquivo digital e é enviada para o pesquisadorentrevistador,
que lhe dará o encaminhamento necessário: conferência de fidelidade
(incluindo notas), copidesque e elaboração de sumário. Na base de dados, são inseridos os
nomes dos responsáveis por cada uma dessas tarefas, os quais aparecem posteriormente na
ficha técnica da entrevista, conforme o padrão instituído em 1975, na implantação do
programa. Quando a entrevista retorna ao PHO, elaboramos seu índice temático com base no
sumário e arquivamos o texto em sua versão final. Os dados inseridos na base permitem gerar
o relatório de liberação da entrevista, que traz a folha de rosto (com as normas de citação), a
ficha técnica e o sumário. A esse relatório acrescentamos o texto em sua versão final, e o
conjunto é disponibilizado no Portal do CPDOC para download.
Quando todo esse percurso é realizado a contento, podemos ficar satisfeitos. O
problema é que não raro alguma coisa atravessa o caminho e a entrevista não é
completamente tratada. Nesses casos, e também nos casos em que não foram previstos os
gastos com a passagem da entrevista para a forma escrita, optamos por liberá-la em áudio ou
em audiovisual, desde que o entrevistado não tenha feito objeção a essa forma de liberação.
Elaboramos seu sumário e indexamos os assuntos, gerando em seguida também o relatório de
liberação da entrevista. Neste caso, a entrevista liberada terá folha de rosto (com normas de
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citação do áudio ou do vídeo), ficha técnica e sumário, mas não terá, evidentemente, o texto
transcrito.
As informações cadastradas na base de dados permitem uma série de consultas
internas (por exemplo: quais entrevistas foram realizadas pelo entrevistador Fulano entre os
anos tais e tais?) e também externas, via Portal do CPDOC. Como a base está ligada ao Portal,
no momento em que assinalamos que a entrevista está liberada, suas informações já podem
ser acessadas via Internet. Possibilitamos dois tipos de consulta: por entrevistado e por tema.
Nos dois casos, o internauta chega à janela de informações sobre a entrevista, que contém
todos os dados de um catálogo de depoimentos: título da entrevista, contexto em que foi
realizada e informações sobre o projeto, forma de consulta, tipo de entrevista, nomes dos
entrevistadores, data, local, duração, dados biográficos do entrevistado (data e local de
nascimento, formação, atividades profissionais), responsáveis pelas diversas etapas do
processamento (levantamento de dados e roteiro, conferência de fidelidade, sumário,
copidesque, técnico de som), temas da entrevista e sumário.
Há casos em que a entrevista é transformada em livro, o que significa que o texto
transcrito e conferido passa por uma verdadeira edição, que não modifica as palavras do
entrevistado, mas altera a ordem dos assuntos e elimina trechos repetidos. Muitas vezes as
entrevistas publicadas em livro não são disponibilizadas para consulta de outra forma, e isso
fica registrado na base e no Portal.
Do que foi dito até o momento já é possível concluir que existem três modalidades de
consulta às entrevistas do acervo do PHO: em texto, em áudio e em audiovisual. A primeira
modalidade, por sua vez, tem ainda três “submodalidades”: o texto em arquivo digital,
disponibilizado no Portal do CPDOC para download, o texto editado publicado em livro e,
finalmente, o texto datilografado (caso das entrevistas mais antigas do PHO), que não está
disponibilizado no Portal, mas pode ser solicitado em cópia xerox.
As entrevistas abertas em áudio e audiovisual só podem ser consultadas no CPDOC.
De um lado, porque ainda não procedemos à sua conversão para o formato digital e, de outro,
porque, mesmo se já as tivéssemos em mp3, por exemplo, ainda não temos claro se convém
divulgar na Internet ou mesmo ceder cópias em CD contendo as gravações na íntegra.
Uma entrevista pode ser consultada simultaneamente nas formas de texto e de áudio
ou audiovisual. Algumas vezes, contudo, o entrevistado só cede o texto revisto e aprovado por
ele, e veda o acesso à gravação. Essas restrições são registradas na base de dados e na
entrevista aberta à consulta, para que sejam efetivamente respeitadas.
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E quanto à tecnologia de gravação? Aos poucos, estamos adotando novos
procedimentos e abandonando a gravação em fita magnética analógica. Quando a entrevista é
feita nas dependências do CPDOC, a gravação tem sido feita diretamente em disco rígido no
formato wave (não comprimido) e, em seguida, duplicada em CD nos formatos wave e áudio.
Para cada hora ou fração grava-se um CD em cada um dos formatos. Mantemos o mesmo
princípio que tem norteado nossas atividades desde a implantação do programa: nunca gravar
entrevistas diferentes em uma mesma mídia. Se, por exemplo, em um CD ficarem apenas os
últimos 10 minutos de uma entrevista, o espaço restante fica livre. As entrevistas realizadas
fora do CPDOC estão sendo gravadas em minidisc e, em seguida, copiadas igualmente para
dois formatos em CD: wave e áudio.
Quanto às gravações em audiovisual, estamos utilizando uma câmera de vídeo digital,
e o resultado é copiado em dois formatos, dessa vez em DVD: um formato não comprimido
(avi) e outro comprimido (mpeg2). No primeiro formato, cada hora de vídeo gera três DVDs,
e no segundo, cada hora pode ser gravada em um único DVD.
Quando a entrevista deve ser transcrita, ainda fazemos uma cópia do áudio em fita
cassete, pois o gravador cassete permite voltar trechos muito curtos da fita – recurso
indispensável para uma boa transcrição. Em CD, isso exigiria que os transcritores tivessem
programas especiais em seus computadores (como o CD Architect, por exemplo), que
permitem a divisão do arquivo sonoro em faixas de alguns segundos. O tocador de CD
comum nem sempre permite que se volte brevemente a gravação para ouvir melhor o que foi
dito.
O tratamento como resultado de práticas cotidianas e reflexões teóricas
As decisões relativas à gestão do acervo de história oral do CPDOC, aí incluídos os
padrões de liberação dos documentos à consulta, foram sendo ajustadas às necessidades que
se apresentaram ao longo dos 30 anos de existência do PHO. Pelo menos até o início da
década de 1990, não se cogitava de liberar as entrevistas para consulta apenas em áudio ou em
audiovisual. A decisão foi tomada em função do enorme acúmulo de tarefas no processo de
passagem das entrevistas da forma oral para a escrita. Aos poucos, foram sendo definidas as
normas para esse tipo de liberação e hoje já temos boa parte do acervo aberto em áudio e
audiovisual (cerca de 30%). As modificações na própria constituição do acervo também
determinaram a padronização do relatório de entrevista, preenchido pelos entrevistadorespesquisadores.
E o desenvolvimento da base de dados – a definição das subtabelas, dos
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campos, das consultas e dos relatórios – seguiu de perto a prática e as necessidades do Centro.
Nesse sentido, aquilo que hoje serve como padrão de nossos procedimentos é fruto, em
grande parte, do ajuste cotidiano às novas realidades do trabalho com a história oral no
CPDOC.
Ao mesmo tempo, procuramos respeitar a especificidade dessa metodologia e da fonte
que dela resulta, em conformidade com as discussões de que participamos em fóruns
nacionais e internacionais – nas áreas de história oral e de arquivos sonoros e audiovisuais,
especialmente. Entretanto, muitas vezes as questões metodológicas tratadas nesses fóruns
passam longe dos aspectos técnicos envolvidos na preservação e no acesso a entrevistas de
história oral. São comuns os debates sobre a relação com o entrevistado e a construção da
memória e da narrativa, por exemplo, e raras as discussões sobre os cuidados com o
tratamento do acervo, que garantam sua longevidade e permitam uma consulta adequada das
fontes produzidas.7
Sabemos que toda fonte histórica deve ser vista como um “documento-monumento”,
conforme definido por Jacques Le Goff: longe de ser um resíduo imparcial e objetivo do
passado, o documento é carregado de intencionalidade; sua produção e sua preservação
resultam das relações de força que existiram e existem nas sociedades que o produziram. Cabe
ao historiador, diz Le Goff, “desestruturar esta construção e analisar as condições de produção
dos documentos-monumentos” – isso é condição inicial para toda boa análise de fontes
históricas.8
Ora, no caso da entrevista de história oral, a intencionalidade do documento já é dada
de saída, quando da própria escolha do entrevistado como pessoa importante a ser ouvida a
respeito do assunto estudado. E ela se prolonga por todas as etapas de realização e tratamento
da entrevista, transformada em documento de um acervo, aberta à consulta de pesquisadores.
Por isso, é muito importante que o público conte com uma série de informações a respeito das
condições de produção e de tratamento do material que está consultando: quais os objetivos
da entrevista e em que projeto está inserida?, que instituição é responsável pela entrevista?, há
instituição financiadora?, quem fez a entrevista?, havia outras pessoas, cuja presença possa ter
influenciado o curso da narrativa?, houve circunstâncias importantes que possam incidir sobre
a análise do que foi gravado?, qual a data, o local e a duração?, como foi feita a gravação? E
assim por diante. Algumas informações fazem parte da apresentação da entrevista (a folha de
7 Tive oportunidade de levantar essa questão no XI Congresso Internacional de História Oral, realizado em 2000,
em Istambul. Ver Alberti, 2000.
8 Le Goff, 1994.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 9
rosto e a ficha técnica). Outras são dadas em nota, no momento em que é preciso esclarecer
trechos da entrevista. Enfim, as informações são metadados (além dos dados da própria
entrevista) que esclarecem a “monumentalização” daquela fonte, nos termos de Le Goff.
A Associação dos Arquivistas Norte-americanos estabeleceu, em um guia de 1995,
que as seguintes informações são fundamentais na calalogação de entrevistas de história oral:
nome do entrevistado, data, quantidade (de fitas, por exemplo) ou duração, nome do
entrevistador, resumo do conteúdo, da natureza e do escopo da entrevista, restrições ao acesso
(se houver) e nome do projeto ou coleção (se houver). Outras informações que podem ser
acrescentadas às primeiras são: formato físico (gravação sonora, gravação em vídeo,
transcrição), informações biográficas do entrevistado, nomes de pessoas presentes,
financiadores, circunstâncias da entrevista, sumário, doadores (se houver), restrições de uso e
reprodução, materiais suplementares e registro de que a entrevista foi revista pelo entrevistado
(se for o caso).9 Observe-se que todas essas recomendações fazem sentido porque estamos
tratando de um documento muito específico, em cuja produção e preservação estão envolvidas
muitas variáveis.
No CPDOC, além dos dados indispensáveis à análise da entrevista, fornecemos,
quando é o caso, indicações de análises já realizadas. Insiste-se muitas vezes que o trabalho
com a história oral não deve se limitar à produção da entrevista. É preciso analisá-la à luz de
outras fontes – orais, textuais, iconográficas etc. Na gestão de um acervo de história oral,
convém sempre atualizar as informações sobre tais análises, acrescentando à ficha técnica do
depoimento as referências aos artigos, livros ou outras produções resultantes do trabalho com
aquela fonte.
Questão final
Não há dúvida de que o tratamento de acervos de história oral é muito importante para
sua preservação e correta socialização. Também não há dúvida de que os programas e centros
de pesquisa que trabalham com essa metodologia precisam realmente cuidar de seus acervos.
Não se começa nada com gravações não identificadas e jogadas no canto de uma sala, por
exemplo. Gravar entrevistas pode ser muito gratificante, mas o pesquisador não pode se
contentar com essa etapa. O trabalho com a história oral envolve um “antes”, um “durante” e
um “depois” da realização da entrevista, todos muito importantes para o resultado a ser
alcançado. De nada adianta também um acervo “mudo” – ou seja, cujo conteúdo é
9 Matters, 1995.
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desconhecido e não recuperável. É preciso elaborar instrumentos de auxílio à consulta e
indexar as entrevistas. E desenvolver ferramentas eficazes de busca. Tudo isso é muito
dispendioso, sabemos.
E se, mesmo com todos os cuidados devidamente tomados, o acervo for subutilizado?
Será que todos os projetos de história oral e todas as entrevistas gravadas são realmente
importantes para o estudo do passado e do presente? Para evitar esse tipo de dúvida, é
necessário ter muito claro o objetivo da pesquisa e a pertinência das entrevistas, antes de
começar a gravá-las. Um projeto bem estruturado ajuda a manter as diretrizes da pesquisa até
o final, e isso se aplica também ao cuidado com o acervo produzido.
No CPDOC temos uma inquietação: fazer com que o acervo seja mais explorado, em
seus variados aspectos – não só no que diz respeito à história política, mas aos modos de vida
e costumes, à linguagem, aos temas característicos de gerações ou grupos profissionais etc.
Quantas informações riquíssimas estão escondidas nessas quase cinco mil horas de histórias
gravadas! Mesmo que possam ser recuperadas pelos instrumentos de auxílio à consulta,
muitas vezes não são sequer procuradas. Como fazer com que essa riqueza ajude a ampliar o
conhecimento sobre nossa realidade? Este é um desafio para o gestor de um acervo de história
oral, e possivelmente de todo acervo histórico.
Referências bibliográficas
Alberti, Verena – 1998 - O acervo de história oral do CPDOC: trajetória de sua constituição.
Rio de Janeiro: CPDOC, 1998. 18f (disponível para download em www.cpdoc.fgv.br).
______ – 2000 – “How to deal with sound archives? Dilemmas on the technical preservation
or oral history interviews.” In: INTERNATIONAL ORAL HISTORY CONFERENCE
(11.:2000:Istanbul, Turkey). XI International Oral History Conference. Istanbul,
Turkey: International Oral History Association in collaboration with the Departament of
History at Bogazici University , 2000. v.1.p.1-8 (disponível para download em
www.cpdoc.fgv.br).
______ – 2004 – Manual de história oral. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getulio Vargas.
______ – 2005 - “Histórias dentro da história.” In: Pinsky, Carla (org.) Fontes históricas. São
Paulo, Contexto, 2005, p.155-202.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 11
Ferreira, Marieta de Moraes – 1996 – “História oral e tempo presente.”, in: Meihy, José
Carlos Sebe (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo, Xamã, p. 11-
21.
Le Goff, Jacques – 1984 – “Documento/monumento”. Enciclopédia Einaudi. v. 1: Memória –
História. s/l (Portugal), Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p.95-106.
Matters, Marion E. – 1995 – Oral History Cataloging Manual. Chicago,
Verena Alberti**
CPDOC-FGV
O Programa de História Oral (PHO) do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas foi criado há 30
anos, em 1975. Ao longo desses anos, produziu um acervo de mais de 1.300 entrevistas
gravadas, que correspondem a mais de 4.700 horas de gravação. As formas de tratamento das
entrevistas foram se modificando em função do volume do acervo, das demandas externas e
das condições de produção dos depoimentos. Boa parte do acervo encontra-se hoje aberta à
consulta, e as informações sobre as entrevistas estão disponíveis no Portal do CPDOC
(www.cpdoc.fgv.br). O objetivo desse trabalho é apresentar a experiência e a prática do
Programa de História Oral do CPDOC no que diz respeito ao tratamento das fontes orais,
atentando também para as dificuldades que enfrentamos para cuidar de sua preservação e do
acesso a elas.
Breve histórico do acervo do Programa de História Oral do CPDOC1
As primeiras entrevistas do Programa de História Oral do CPDOC começaram a ser
realizadas em 1975, seguindo em grande parte as orientações do I Curso Nacional de História
Oral, organizado pelo Subgrupo de História Oral do Grupo de Documentação em Ciências
Sociais (GDCS), que havia sido formado em dezembro do ano anterior por representantes da
Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, da Fundação Getulio Vargas e do Instituto
Brasileiro de Bibliografia e Documentação. Os professores convidados eram George P.
Browne, do Departamento de História da Seton Hall University, Nova Jersey; James e Edna
Wilkie, do Latin American Center da Universidade de Califórnia, e Eugenia Meyer, do
* Trabalho apresentado à Mesa II “Perspectivas e desafios no tratamento dos documentos orais” do I Encontro
de Documentação Oral do Mercosul, realizado durante o VI Congresso de Arquivologia do Mercosul, em
Campos do Jordão (SP), de 17 a 20 de outubro de 2005.
** Historiadora, mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
(PPGAS), Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutora em Teoria da Literatura pela
Universidade de Siegen (Alemanha). Coordenadora do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
Autora de Manual de história oral (Rio, Editora FGV, 2004) e Ouvir contar: textos em história oral (Rio,
Editora FGV, 2004). Foi presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO) entre 2002 e 2004.
1 A esse respeito, ver também Alberti, 1998.
ALBERTI, Verena. Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC,
2005. 11f.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV – www.cpdoc.fgv.br 2
Instituto Nacional de Antropologia do México.2 Esse início garantiu ao PHO uma certa
uniformidade nas atividades de realização e tratamento das entrevistas. Desde o começo, o
tratamento incluía a duplicação da gravação, para a formação do acervo de segurança; a
passagem da entrevista para a forma escrita – na qual se sucediam as etapas de transcrição,
conferência de fidelidade da transcrição, copidesque e leitura final; a elaboração instrumentos
de auxílio à pesquisa – como o sumário e os índices temático e onomástico – e, finalmente, a
liberação para consulta, com a elaboração de ficha técnica, folha de rosto e ficha
catalográfica.
Com o passar dos anos, as mudanças na forma de constituição do acervo, a redução da
equipe e as possibilidades engendradas pela informática acabaram levando a transformações
importantes. No que diz respeito à constituição do acervo, chama atenção a variedade de
projetos que dão origem, hoje, às entrevistas. Os primeiros dez anos de existência do PHO do
CPDOC foram marcados pelo desenvolvimento do projeto “Trajetória e desempenho das
elites políticas brasileiras de 1930 até os dias de hoje”, que objetivava examinar o processo de
montagem do Estado brasileiro, como forma, inclusive, de compreender como se chegara ao
regime militar então vigente.3 Com o tempo formaram-se, no interior desse projeto, eixos
temáticos que abarcavam grupos regionais (políticos da Paraíba e do Rio Grande do Sul, por
exemplo) e de acordo com sua atuação: militares, diplomatas, tecnocratas, intelectuais etc. No
final dos anos 80 e mais claramente a partir de meados dos anos 90, o acervo do PHO passou
a ser enriquecido com entrevistas de projetos de duração limitada, muitas vezes resultados de
convênios e parcerias, como os que se voltaram para a formação de instituições do Estado
(Petrobrás, Eletrobrás, Banco Central do Brasil, BNDES, Inmetro, Ipea), para a constituição
de entidades de ensino público e privado (Impa, Capes, Ebape, universidades privadas), ou
para campos específicos, como a atividade de seguros, o urbanismo e a ação de organismos
governamentais e não governamentais nas favelas – para citar apenas algumas das frentes
abertas. Atualmente 55 projetos que geraram e geram entrevistas de história oral estão
cadastrados na base de dados do PHO, número que aumenta expressivamente a cada ano.
Nesse novo cenário, são raras as entrevistas realizadas exclusivamente no contexto do projeto
“Trajetória e desempenho das elites políticas”, ainda que a maioria dos novos projetos tenha
muita relação com a temática inicial.
2 Sobre esse curso, ver Ferreira, 1996, e Alberti, 2005.
3 Paralelamente ao projeto “Trajetória e desempenho das elites políticas brasileiras”, Simon Schwartzman
desenvolveu, entre 1975 e 1978, a pesquisa “História da ciência no Brasil”, que resultou em mais de 70
entrevistas com cientistas brasileiros de várias gerações, sobre sua vida profissional e a natureza da atividade
científica no Brasil e no mundo.
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A equipe que produz e processa essas entrevistas também não é mais aquele grupo de
cerca de seis pesquisadores permanentes que havia no início do PHO, todos cuidando das
várias atividades envolvidas na constituição e na divulgação do acervo. Hoje cada projeto está
a cargo de um ou mais pesquisadores do CPDOC, que desempenham outras atividades
concomitantes, e não raro tarefas como a conferência de fidelidade e a elaboração de sumário
são feitas por auxiliares temporários, não especializados na metodologia da história oral.
O PHO teve, pois, de se ajustar aos novos tempos, mas podemos dizer que as bases
lançadas em 1975 permanecem, orientando sua prática até hoje. As unidades do acervo
continuam sendo as entrevistas, agora necessariamente atreladas a seus projetos; as
informações sobre cada entrevista disponibilizada ao público são as mesmas que eram
apresentadas no primeiro catálogo do PHO publicado em 1981, e, ainda que não passemos
mais todas as entrevistas para a forma escrita, o sumário e o índice temático são produzidos
para todos os depoimentos liberados à consulta.
Outra transformação importante decorreu da necessidade de estabelecermos
mecanismos eficazes de controle das entrevistas gravadas, tendo em vista o volume do acervo
produzido ao longo desses 30 anos. Nos últimos quatro anos foram realizadas em média mais
de 60 entrevistas por ano, que correspondem a uma média também anual de mais de 140 horas
gravadas. Para dar conta das entrevistas já realizadas e das que são gravadas nos diferentes
projetos desenvolvidos pelo Centro, foi necessária a constituição de uma base de dados
bastante complexa, capaz de abarcar praticamente todas as variáveis envolvidas no trabalho
com a história oral do CPDOC. Esse instrumento de gestão do acervo de entrevistas foi
concebido e desenvolvido internamente e conta com o suporte técnico da Divisão de
Tecnologia da Informação da Fundação Getulio Vargas. Através dele podemos gerar
catálogos de depoimentos e uma série de relatórios úteis para o planejamento de nossas
atividades. Por exemplo, responder a perguntas do tipo: quais entrevistas ainda não estão
liberadas para consulta e por quê?, quais entrevistas não têm carta de cessão?, quais
entrevistas foram realizadas no contexto do projeto x?, quais entrevistas abordam o tema y?
Se compararmos essa agilidade com o tempo das fichas de cartolina e das listas sempre
emendadas à mão, não podemos deixar de considerar que avançamos bastante.4
4 Sobre a base de dados, ver Alberti, 2004, capítulo 8.
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Alguns problemas
Restam, porém, alguns problemas, que parecem ser típicos de programas de história
oral. Dois deles são antigos e acompanham a trajetória do PHO desde o início: a dificuldade
de liberar entrevistas no mesmo ritmo em que elas são gravadas e as restrições, ou mesmo
proibições, impostas pelo entrevistado para a abertura de seu depoimento à consulta. O
resultado disso é que há sempre uma grande defasagem entre o número de entrevistas
realizadas e o número de entrevistas abertas. No caso do CPDOC essa defasagem é muito
grande: 36% do volume do acervo permanecem fechados à consulta, seja porque não foi
tratado ainda, seja porque as entrevistas não têm carta de cessão (cerca de 15% do total de
horas gravadas).5 Por isso temos a sensação de estarmos sempre “correndo atrás” para
cumprir o percurso que permite a socialização do nosso acervo.
Outro problema diz respeito à tecnologia de gravação. Quando o PHO foi criado, fazia
as gravações em fita rolo (transformadas no acervo de segurança) e cassete (transformadas no
acervo para uso e consulta). Hoje é necessário estar permanentemente atento às tecnologias de
gravação, dado o perigo de se tornarem obsoletas e não permitirem mais a audição do que foi
gravado. Entrevistas em áudio ou em vídeo não podem ser consultadas prescindindo-se de um
equipamento de “leitura”. Por isso, mesmo que as fitas de rolo do nosso acervo estejam em
perfeito estado de conservação, em breve não poderemos mais ouvi-las, pois faltarão
gravadores de rolo no mercado. Isso significa que temos de migrar as gravações para um
formato digital suficientemente seguro – ou seja, largamente utilizado e passível de ser
migrado para outro formato antes de se tornar ele mesmo obsoleto. Além disso, é preciso estar
atento para o formato e a tecnologia de gravação a serem empregados na produção de novas
entrevistas: gravação em disco rígido no formato wave e mp3?, gravação em minidisc?, cópia
em CD?, ou em DVD? Os conhecimentos que devem ter os gestores de programas de história
oral estão muito mais complexos do que há 30 anos, quando se tinha certeza de que as fitas
magnéticas, se bem cuidadas, poderiam durar muito tempo.6
A prática do PHO do CPDOC
Comecemos pelo percurso atual de uma entrevista no CPDOC. Tão logo é gravada
(mesmo que seja apenas a primeira sessão), o técnico de som providencia a duplicação da
5 Esse cálculo é feito sobre o número de horas gravadas (chamadas aqui de “volume do acervo”). Quando se
calcula sobre o número de entrevistas, a defasagem aumenta muito: 47% das entrevistas ainda permanecem
fechadas à consulta; 24% porque não têm carta de cessão.
6 Sobre a tecnologia de gravação e o equipamento em projetos de história oral, ver Alberti, 2004, capítulo 3.
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gravação (em áudio e vídeo, se for o caso) e é criado um registro na base de dados contendo
os elementos já conhecidos: título da entrevista, nome dos entrevistadores, projeto, local, data,
duração e suporte(s) de gravação (fita cassete, fita rolo, CD, vídeo VHS, vídeo digital,
minidisc...). Solicita-se ao entrevistador que preencha um relatório fornecendo as seguintes
informações: razões da escolha do entrevistado e objetivo da entrevista, dados biográficos e
cadastrais do entrevistado, tipo de entrevista, responsáveis pelo levantamento de dados e
roteiro, dados sobre o projeto, observações sobre o andamento da entrevista – uma espécie de
caderno de campo, onde são registrados dados do tipo: forma de contato com o entrevistado,
outras pessoas presentes à entrevista, objeções do entrevistado à carta de cessão, interrupções
prolongadas entre uma sessão e outra, mudanças de local de entrevista etc. O entrevistador
também fica responsável pela obtenção da carta de cessão, que é entregue ao PHO juntamente
com o relatório, depois do encerramento da entrevista. Nesse momento, temos condição de
acrescentar ao registro da base de dados as informações extraídas do relatório e a data de
assinatura da carta de cessão, que é devidamente arquivada.
Dependendo do projeto, a entrevista deverá ser transcrita, o que é feito por prestador
de serviço. A transcrição é guardada como arquivo digital e é enviada para o pesquisadorentrevistador,
que lhe dará o encaminhamento necessário: conferência de fidelidade
(incluindo notas), copidesque e elaboração de sumário. Na base de dados, são inseridos os
nomes dos responsáveis por cada uma dessas tarefas, os quais aparecem posteriormente na
ficha técnica da entrevista, conforme o padrão instituído em 1975, na implantação do
programa. Quando a entrevista retorna ao PHO, elaboramos seu índice temático com base no
sumário e arquivamos o texto em sua versão final. Os dados inseridos na base permitem gerar
o relatório de liberação da entrevista, que traz a folha de rosto (com as normas de citação), a
ficha técnica e o sumário. A esse relatório acrescentamos o texto em sua versão final, e o
conjunto é disponibilizado no Portal do CPDOC para download.
Quando todo esse percurso é realizado a contento, podemos ficar satisfeitos. O
problema é que não raro alguma coisa atravessa o caminho e a entrevista não é
completamente tratada. Nesses casos, e também nos casos em que não foram previstos os
gastos com a passagem da entrevista para a forma escrita, optamos por liberá-la em áudio ou
em audiovisual, desde que o entrevistado não tenha feito objeção a essa forma de liberação.
Elaboramos seu sumário e indexamos os assuntos, gerando em seguida também o relatório de
liberação da entrevista. Neste caso, a entrevista liberada terá folha de rosto (com normas de
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citação do áudio ou do vídeo), ficha técnica e sumário, mas não terá, evidentemente, o texto
transcrito.
As informações cadastradas na base de dados permitem uma série de consultas
internas (por exemplo: quais entrevistas foram realizadas pelo entrevistador Fulano entre os
anos tais e tais?) e também externas, via Portal do CPDOC. Como a base está ligada ao Portal,
no momento em que assinalamos que a entrevista está liberada, suas informações já podem
ser acessadas via Internet. Possibilitamos dois tipos de consulta: por entrevistado e por tema.
Nos dois casos, o internauta chega à janela de informações sobre a entrevista, que contém
todos os dados de um catálogo de depoimentos: título da entrevista, contexto em que foi
realizada e informações sobre o projeto, forma de consulta, tipo de entrevista, nomes dos
entrevistadores, data, local, duração, dados biográficos do entrevistado (data e local de
nascimento, formação, atividades profissionais), responsáveis pelas diversas etapas do
processamento (levantamento de dados e roteiro, conferência de fidelidade, sumário,
copidesque, técnico de som), temas da entrevista e sumário.
Há casos em que a entrevista é transformada em livro, o que significa que o texto
transcrito e conferido passa por uma verdadeira edição, que não modifica as palavras do
entrevistado, mas altera a ordem dos assuntos e elimina trechos repetidos. Muitas vezes as
entrevistas publicadas em livro não são disponibilizadas para consulta de outra forma, e isso
fica registrado na base e no Portal.
Do que foi dito até o momento já é possível concluir que existem três modalidades de
consulta às entrevistas do acervo do PHO: em texto, em áudio e em audiovisual. A primeira
modalidade, por sua vez, tem ainda três “submodalidades”: o texto em arquivo digital,
disponibilizado no Portal do CPDOC para download, o texto editado publicado em livro e,
finalmente, o texto datilografado (caso das entrevistas mais antigas do PHO), que não está
disponibilizado no Portal, mas pode ser solicitado em cópia xerox.
As entrevistas abertas em áudio e audiovisual só podem ser consultadas no CPDOC.
De um lado, porque ainda não procedemos à sua conversão para o formato digital e, de outro,
porque, mesmo se já as tivéssemos em mp3, por exemplo, ainda não temos claro se convém
divulgar na Internet ou mesmo ceder cópias em CD contendo as gravações na íntegra.
Uma entrevista pode ser consultada simultaneamente nas formas de texto e de áudio
ou audiovisual. Algumas vezes, contudo, o entrevistado só cede o texto revisto e aprovado por
ele, e veda o acesso à gravação. Essas restrições são registradas na base de dados e na
entrevista aberta à consulta, para que sejam efetivamente respeitadas.
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E quanto à tecnologia de gravação? Aos poucos, estamos adotando novos
procedimentos e abandonando a gravação em fita magnética analógica. Quando a entrevista é
feita nas dependências do CPDOC, a gravação tem sido feita diretamente em disco rígido no
formato wave (não comprimido) e, em seguida, duplicada em CD nos formatos wave e áudio.
Para cada hora ou fração grava-se um CD em cada um dos formatos. Mantemos o mesmo
princípio que tem norteado nossas atividades desde a implantação do programa: nunca gravar
entrevistas diferentes em uma mesma mídia. Se, por exemplo, em um CD ficarem apenas os
últimos 10 minutos de uma entrevista, o espaço restante fica livre. As entrevistas realizadas
fora do CPDOC estão sendo gravadas em minidisc e, em seguida, copiadas igualmente para
dois formatos em CD: wave e áudio.
Quanto às gravações em audiovisual, estamos utilizando uma câmera de vídeo digital,
e o resultado é copiado em dois formatos, dessa vez em DVD: um formato não comprimido
(avi) e outro comprimido (mpeg2). No primeiro formato, cada hora de vídeo gera três DVDs,
e no segundo, cada hora pode ser gravada em um único DVD.
Quando a entrevista deve ser transcrita, ainda fazemos uma cópia do áudio em fita
cassete, pois o gravador cassete permite voltar trechos muito curtos da fita – recurso
indispensável para uma boa transcrição. Em CD, isso exigiria que os transcritores tivessem
programas especiais em seus computadores (como o CD Architect, por exemplo), que
permitem a divisão do arquivo sonoro em faixas de alguns segundos. O tocador de CD
comum nem sempre permite que se volte brevemente a gravação para ouvir melhor o que foi
dito.
O tratamento como resultado de práticas cotidianas e reflexões teóricas
As decisões relativas à gestão do acervo de história oral do CPDOC, aí incluídos os
padrões de liberação dos documentos à consulta, foram sendo ajustadas às necessidades que
se apresentaram ao longo dos 30 anos de existência do PHO. Pelo menos até o início da
década de 1990, não se cogitava de liberar as entrevistas para consulta apenas em áudio ou em
audiovisual. A decisão foi tomada em função do enorme acúmulo de tarefas no processo de
passagem das entrevistas da forma oral para a escrita. Aos poucos, foram sendo definidas as
normas para esse tipo de liberação e hoje já temos boa parte do acervo aberto em áudio e
audiovisual (cerca de 30%). As modificações na própria constituição do acervo também
determinaram a padronização do relatório de entrevista, preenchido pelos entrevistadorespesquisadores.
E o desenvolvimento da base de dados – a definição das subtabelas, dos
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campos, das consultas e dos relatórios – seguiu de perto a prática e as necessidades do Centro.
Nesse sentido, aquilo que hoje serve como padrão de nossos procedimentos é fruto, em
grande parte, do ajuste cotidiano às novas realidades do trabalho com a história oral no
CPDOC.
Ao mesmo tempo, procuramos respeitar a especificidade dessa metodologia e da fonte
que dela resulta, em conformidade com as discussões de que participamos em fóruns
nacionais e internacionais – nas áreas de história oral e de arquivos sonoros e audiovisuais,
especialmente. Entretanto, muitas vezes as questões metodológicas tratadas nesses fóruns
passam longe dos aspectos técnicos envolvidos na preservação e no acesso a entrevistas de
história oral. São comuns os debates sobre a relação com o entrevistado e a construção da
memória e da narrativa, por exemplo, e raras as discussões sobre os cuidados com o
tratamento do acervo, que garantam sua longevidade e permitam uma consulta adequada das
fontes produzidas.7
Sabemos que toda fonte histórica deve ser vista como um “documento-monumento”,
conforme definido por Jacques Le Goff: longe de ser um resíduo imparcial e objetivo do
passado, o documento é carregado de intencionalidade; sua produção e sua preservação
resultam das relações de força que existiram e existem nas sociedades que o produziram. Cabe
ao historiador, diz Le Goff, “desestruturar esta construção e analisar as condições de produção
dos documentos-monumentos” – isso é condição inicial para toda boa análise de fontes
históricas.8
Ora, no caso da entrevista de história oral, a intencionalidade do documento já é dada
de saída, quando da própria escolha do entrevistado como pessoa importante a ser ouvida a
respeito do assunto estudado. E ela se prolonga por todas as etapas de realização e tratamento
da entrevista, transformada em documento de um acervo, aberta à consulta de pesquisadores.
Por isso, é muito importante que o público conte com uma série de informações a respeito das
condições de produção e de tratamento do material que está consultando: quais os objetivos
da entrevista e em que projeto está inserida?, que instituição é responsável pela entrevista?, há
instituição financiadora?, quem fez a entrevista?, havia outras pessoas, cuja presença possa ter
influenciado o curso da narrativa?, houve circunstâncias importantes que possam incidir sobre
a análise do que foi gravado?, qual a data, o local e a duração?, como foi feita a gravação? E
assim por diante. Algumas informações fazem parte da apresentação da entrevista (a folha de
7 Tive oportunidade de levantar essa questão no XI Congresso Internacional de História Oral, realizado em 2000,
em Istambul. Ver Alberti, 2000.
8 Le Goff, 1994.
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rosto e a ficha técnica). Outras são dadas em nota, no momento em que é preciso esclarecer
trechos da entrevista. Enfim, as informações são metadados (além dos dados da própria
entrevista) que esclarecem a “monumentalização” daquela fonte, nos termos de Le Goff.
A Associação dos Arquivistas Norte-americanos estabeleceu, em um guia de 1995,
que as seguintes informações são fundamentais na calalogação de entrevistas de história oral:
nome do entrevistado, data, quantidade (de fitas, por exemplo) ou duração, nome do
entrevistador, resumo do conteúdo, da natureza e do escopo da entrevista, restrições ao acesso
(se houver) e nome do projeto ou coleção (se houver). Outras informações que podem ser
acrescentadas às primeiras são: formato físico (gravação sonora, gravação em vídeo,
transcrição), informações biográficas do entrevistado, nomes de pessoas presentes,
financiadores, circunstâncias da entrevista, sumário, doadores (se houver), restrições de uso e
reprodução, materiais suplementares e registro de que a entrevista foi revista pelo entrevistado
(se for o caso).9 Observe-se que todas essas recomendações fazem sentido porque estamos
tratando de um documento muito específico, em cuja produção e preservação estão envolvidas
muitas variáveis.
No CPDOC, além dos dados indispensáveis à análise da entrevista, fornecemos,
quando é o caso, indicações de análises já realizadas. Insiste-se muitas vezes que o trabalho
com a história oral não deve se limitar à produção da entrevista. É preciso analisá-la à luz de
outras fontes – orais, textuais, iconográficas etc. Na gestão de um acervo de história oral,
convém sempre atualizar as informações sobre tais análises, acrescentando à ficha técnica do
depoimento as referências aos artigos, livros ou outras produções resultantes do trabalho com
aquela fonte.
Questão final
Não há dúvida de que o tratamento de acervos de história oral é muito importante para
sua preservação e correta socialização. Também não há dúvida de que os programas e centros
de pesquisa que trabalham com essa metodologia precisam realmente cuidar de seus acervos.
Não se começa nada com gravações não identificadas e jogadas no canto de uma sala, por
exemplo. Gravar entrevistas pode ser muito gratificante, mas o pesquisador não pode se
contentar com essa etapa. O trabalho com a história oral envolve um “antes”, um “durante” e
um “depois” da realização da entrevista, todos muito importantes para o resultado a ser
alcançado. De nada adianta também um acervo “mudo” – ou seja, cujo conteúdo é
9 Matters, 1995.
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desconhecido e não recuperável. É preciso elaborar instrumentos de auxílio à consulta e
indexar as entrevistas. E desenvolver ferramentas eficazes de busca. Tudo isso é muito
dispendioso, sabemos.
E se, mesmo com todos os cuidados devidamente tomados, o acervo for subutilizado?
Será que todos os projetos de história oral e todas as entrevistas gravadas são realmente
importantes para o estudo do passado e do presente? Para evitar esse tipo de dúvida, é
necessário ter muito claro o objetivo da pesquisa e a pertinência das entrevistas, antes de
começar a gravá-las. Um projeto bem estruturado ajuda a manter as diretrizes da pesquisa até
o final, e isso se aplica também ao cuidado com o acervo produzido.
No CPDOC temos uma inquietação: fazer com que o acervo seja mais explorado, em
seus variados aspectos – não só no que diz respeito à história política, mas aos modos de vida
e costumes, à linguagem, aos temas característicos de gerações ou grupos profissionais etc.
Quantas informações riquíssimas estão escondidas nessas quase cinco mil horas de histórias
gravadas! Mesmo que possam ser recuperadas pelos instrumentos de auxílio à consulta,
muitas vezes não são sequer procuradas. Como fazer com que essa riqueza ajude a ampliar o
conhecimento sobre nossa realidade? Este é um desafio para o gestor de um acervo de história
oral, e possivelmente de todo acervo histórico.
Referências bibliográficas
Alberti, Verena – 1998 - O acervo de história oral do CPDOC: trajetória de sua constituição.
Rio de Janeiro: CPDOC, 1998. 18f (disponível para download em www.cpdoc.fgv.br).
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(11.:2000:Istanbul, Turkey). XI International Oral History Conference. Istanbul,
Turkey: International Oral History Association in collaboration with the Departament of
History at Bogazici University , 2000. v.1.p.1-8 (disponível para download em
www.cpdoc.fgv.br).
______ – 2004 – Manual de história oral. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getulio Vargas.
______ – 2005 - “Histórias dentro da história.” In: Pinsky, Carla (org.) Fontes históricas. São
Paulo, Contexto, 2005, p.155-202.
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Ferreira, Marieta de Moraes – 1996 – “História oral e tempo presente.”, in: Meihy, José
Carlos Sebe (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo, Xamã, p. 11-
21.
Le Goff, Jacques – 1984 – “Documento/monumento”. Enciclopédia Einaudi. v. 1: Memória –
História. s/l (Portugal), Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p.95-106.
Matters, Marion E. – 1995 – Oral History Cataloging Manual. Chicago,
De olho no Artigo!
HISTÓRIA ORAL, FONTES DOCUMENTAIS E NARRATIVAS COMO
RECURSOS METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO1
RECURSOS METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO1
- Jurandir dos Santos2
Resumo
Este texto discute as possibilidades de análise qualitativa, como opção de pesquisa,
principalmente no campo da educação, através da história oral, das fontes documentais e
das narrativas. Faz breve balanço da evolução da história oral no Brasil e no mundo, a partir
dos anos 50, além das influências e utilizações dos historiadores, antropólogos, cientistas
políticos, sociólogos, psicólogos, pedagogos, educadores, entre outros profissionais. No
Brasil, a técnica foi introduzida pelo Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
Documentação Histórica Contemporânea – CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio
de Janeiro. Após, tratamos de uma difícil tarefa, que é a de conceituar história oral, pois
existem diferentes visões e múltiplas aplicações, o que ao mesmo tempo constitui
significativa riqueza que esse trabalho pode oferecer. Abordamos diferentes tipos de
história oral, como é o caso da História das Elites, da História Oral Historicida, História dos
Vencidos, Gente Comum, História Oral Metalingüística e as tendências Arquivística e
Bibliográfica. No que se refere à metodologia, apresentamos dois tipos de entrevistas:
depoimentos de história de vida e entrevistas temáticas. E as importantes dicas na forma de
colher informações, respeitando os procedimentos adequados em cada uma dessas etapas:
definição do problema ou do projeto de pesquisa, preparação da entrevista ou do
depoimento, preparação do roteiro, realização das entrevistas processamento e análise das
entrevistas. Como as entrevistas tratam de material humano, não poderíamos deixar de
incluir as contribuições da psicologia e da psicanálise, como forma de resgatar os cuidados
com as pessoas no processo de entrevista, bem como as competências que se esperam do
entrevistador. Depois disso, abordamos e conceituamos as narrativas ou história de vida ou,
ainda, memória pedagógica, como também são chamadas, e a sua utilização no campo da
pesquisa e como instrumento de coletas de dados. E procuramos entender a relação
dialógica entre a teoria e a realidade, mas sempre reconhecendo o sujeito e a sua história
pessoal e profissional. Assim, o reconhecimento da história como parte da cultura, do
desenvolvimento e da educação do homem e da sua civilização contribui para que as
lembranças continuem vivas e atualizadas. Finalizamos o trabalho explorando a visão
marxista do indivíduo e o resgate do homem real e concreto, não somente como criador,
mas também como produto histórico da sociedade.
Palavras-chave: História Oral, Fontes Documentais, Narrativas, História de
Vida, Formação de Professores.
1 Trabalho apresentado no III Seminário de Educação: Memórias, Histórias e Formação de Professores, Núcleo de
Pesquisa e Extensão Vozes da Educação, UFRJ, 2007, São Gonçalo. Rio de Janeiro; e publicado no Portal Programa Rede
Social Senac São Paulo, 05 nov 2008 (http://www.zonadigital.com.br/redes)
2 www.jurandirsantos.com.br / contato@jurandirsantos.com.br
2
HISTÓRIA ORAL, FONTES DOCUMENTAIS E NARRATIVAS COMO
RECURSOS METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO
Jurandir dos Santos
Introdução
Iniciamos este trabalho abordando o desafio que os educadores,
historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos e outros profissionais da
atualidade - envolvidos com o tema - em definir o conceito de história oral,
principalmente pela diversidade de visões e aplicações empregadas por essa
metodologia.
Neves sustenta que
[...] nenhuma história, enquanto processo e construção da
trajetória da humanidade ao longo dos tempos, é oral. A história da
humanidade, em sua concretude, constitui-se pela inter-relação de
fatos, processos e dinâmicas que, através da dialética,
transformam as condições de vida do ser humano ou as mantém
como estão.
São muitos os movimentos da história e se traduzem por mudanças lentas
ou rápidas, pela conservação ou não das ordens sociais, políticas e econômicas.
A memória é a principal fonte dos depoimentos orais e há ligação direta
entre o tempo e a história, com o objetivo de construir ligações entre as fontes ou
documentos, que podem subsidiar na pesquisa ou formar acervos para os centros
de documentação e de pesquisa.
Então, mais adiante, teremos oportunidade de discutir outros aspectos
relacionados ao assunto, desde a história no Brasil e no mundo, trazer uma breve
definição do que é história oral, a metodologia utilizada, as contribuições da
psicologia e da psicanálise, entre outros aspectos.
Como se trata de um conjunto de procedimentos e de técnicas
relativamente novos, com cerca de sessenta anos de existência, a história oral
3
exige cuidados na sua compreensão e aplicação, como teremos oportunidade de
demonstrar neste texto.
Em especial destacamos a riqueza dos procedimentos oferecidos por meio
da história oral e da análise das fontes documentais para a área da educação,
como pesquisa qualitativa, pois podem possibilitar o resgate de informações
importantes sobre determinados assuntos que se pretende pesquisar.
Outra tendência importante para a pesquisa qualitativa em educação,
discutida neste trabalho, são as narrativas, sobretudo, para o resgate da pessoa
do educador na sua história de vida e na sua atuação profissional.
Todos os assuntos refletem conhecimentos relativamente novos no Brasil e
no mundo, e suas aplicações devem ser feitas com muito cuidado e respeito aos
procedimentos sugeridos pelos teóricos abordados, para garantir o melhor
aproveitamento das técnicas, preservar as informações coletadas e respeitar as
pessoas envolvidas, principalmente os depoentes.
Breve histórico da História Oral
A história oral começou a ser realizada nos anos 50, após a invenção do
gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México. Desde então, difundiu-se
bastante e ganhou cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre os
que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos,
psicólogos, pedagogos, profissionais da literatura, etc.
Joutard (2002) apresenta um interessante trabalho historiográfico a respeito
do assunto. Seu texto trata de um balanço sistemático a partir de diversos
trabalhos individuais ou coletivos, procurando mostrar a evolução da prática, no
que diz respeito aos métodos e ao papel da história oral, no conjunto da
historiografia contemporânea. Discorre brevemente sobre a história africana, que
nos seus primórdios se serviu de fontes orais, passando pelo século XVII, período
em que o procedimento é criticado, pois acreditavam não haver rigor científico. A
4
reintrodução da técnica ocorreu na segunda metade do século XX, apesar de
ainda não ser bem recebida pelos historiadores, exceto nos Estados Unidos, seu
precursor, que levaram em consideração a originalidade dos fatos; a contribuição
da história (temas e períodos e a relação da história oral com outras disciplinas
que se utilizam da pesquisa, como a sociologia, a pesquisa, etc; e os novos
problemas suscitados pela utilização da fonte oral.
O autor classifica quatro gerações de historiadores dedicados ao tema:
A primeira surgiu nos Estados Unidos, nos anos 50 - conforme já citado –
ao lado das ciências políticas, que se ocupavam somente dos notáveis, com
intenção de coligir material para os historiadores. Instrumentos que seriam
utilizados por futuros biógrafos. Era um trabalho sem reflexão metodológica e que
serviu aos Correspondentes Documentais do Comitê de História da II Guerra
Mundial. Em 1956, registram-se os arquivos sonoros do Instituto Nacional de
Antropologia, para a recordação dos chefes da revolução mexicana.
A segunda geração de historiadores surgiu no fim dos anos 60, na Itália,
com sociólogos e antropólogos próximos ao partido da esquerda. Utilizavam a
história oral para reconstruir a cultura popular. Essa nova geração desenvolve
“uma nova história”, através da antropologia, pretende dar voz aos povos sem
história, iletrados; valoriza os vencidos, os marginais e as diversas minorias:
operários, negros, mulheres. Uma história que se pretende militante e se acha à
margem do mundo universitário. Foi praticada por não profissionais, educadores e
sindicalistas, e os movimentos pregavam o não conformismo sistemático.
Posteriormente, essa forma de história difunde-se ainda mais na Inglaterra e na
América Latina (Argentina).
1975 é marcado pela terceira geração, quando acontece o Congresso
Internacional de Ciências Históricas de San Francisco. O período é destacado
pela multiplicação de instâncias de discussão sobre história oral, pela aceitação
dos procedimentos nas universidades, aproximação com museus e arquivos, pela
proliferação de trabalhos e pesquisas, pela comunidade de pessoas envolvidas
para trabalhos direcionados, pelas reflexões epistemológicas e metodológicas
5
acerca do tema. A França adota a história oral como um meio pedagógico eficaz
de motivar os alunos.
A quarta geração ficou caracterizada na década de 90, com o início de uma
nova geração – dos nascidos nos anos 60. Nesse período, valorizam-se mais a
subjetividade, como conseqüência ou como finalidade da história oral. Entre outros
fatores, o desenvolvimento da tecnologia foi um forte aliado no aperfeiçoamento
das técnicas utilizadas, como é o caso do vídeo.
No Brasil, especificamente, a metodologia foi introduzida na década de
1970, quando foi criado o Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
Documentação em História Contemporânea no Brasil – CPDOC. A partir dos anos
90, o movimento em torno da história oral cresceu muito. Em 1994, foi criada a
Associação Brasileira de História Oral, que congrega membros de todas as
regiões do país, reúne-se periodicamente em encontros regionais e nacionais, e
edita uma revista e um boletim. Dois anos depois, em 1996, foi criada a
Associação Internacional de História Oral, que realiza congressos bianuais e
também edita uma revista e um boletim. Atualmente, no mundo inteiro é intensa a
publicação de livros, revistas especializadas e artigos sobre história oral. Há
inúmeros programas e pesquisas que utilizam os relatos pessoais sobre o
passado para o estudo dos mais variados temas.
O que é História Oral?
A história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar
entrevistas induzidas, estimuladas e gravadas, com pessoas que podem
testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modo de vida ou
outros aspectos da história contemporânea. E [...] move-se em terreno
pluridisciplinar, pois utiliza muitas vezes música, literatura, lembranças, fontes
iconográficas, documentação escrita, entre outras, para estimular a memória
(NEVES, 2003).
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As entrevistas de história oral são tomadas como fontes para a
compreensão do passado, ao lado de documentos escritos, imagens e outros tipos
de registro. Caracterizam-se por serem produzidas a partir de um estímulo, pois o
pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas, geralmente depois de
consumado o fato ou a conjuntura que se quer investigar.
De acordo com Joutard, existe dupla história oral, que pode estar voltada
para a política – neste caso, a entrevista serve como complemento aos
documentos escritos, e com foco na antropologia – quando confere à história oral
maior dimensão e riqueza metodológica como várias experiências não
combinadas: o mundo do trabalho, o fenômeno migratório, a problemática dos
gêneros e a construção das identidades.
Decca considera
que a apreensão do real, ao invés de ser possível apenas por rigor
matemático, pode ser realizada por efeito poético, como bem
demonstra, ate hoje, a literatura, a poesia, e por que não, a
história. Isto não comprometeria as bases científicas da história,
aliás poderia até renovar os ares de uma árida ciência que
prevaleceu e fincou raízes [...](1998, p. 23).
Além disso, todo esse conjunto de documentos de tipo biográfico, ao lado
de memórias e autobiografias, etc., permite compreender como indivíduos
experimentam e interpretam acontecimentos, situações e modos de vida de um
grupo ou da sociedade em geral. Isso torna o estudo da história mais concreto e
próximo, facilitando a apreensão do passado pelas gerações futuras e a
compreensão das experiências vividas por outros. E, ainda,
os documentos como alguns já disseram, não falam por si, os
historiadores obrigam que eles falem, inclusive, a respeito de seus
próprios silêncios. E para realizar tal procedimento, utilizamo-nos
de teorias e de procedimentos metodológicos que são, por sua
vez, lugares de linguagem, modos de narratividade (DECCA, 1998,
p. 23).
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No trabalho desenvolvido por Gattaz (1998) podemos analisar outros tipos
de história oral, com diferentes ou complementares objetivos e focos, que refletem
as tendências mais significativas, dividas em seis partes, a saber:
História das Elites: inicia projetos com vistas a entrevistar pessoas
“significantes” da sociedade e da política, retratando a sua história e elegendo os
informantes de acordo com o papel desempenhado nos acontecimentos. No
Brasil, a história das elites políticas e econômicas decorreu da ditadura militar, a
partir do exercício de censura e controle no trabalho acadêmico e social, voltado
às classes subalternas da população, e, ao mesmo tempo, do estímulo aos
registros dos feitos dos grandes líderes. O primeiro centro sistematizado de
recolhimento de depoimentos orais no País foi CPDOC da Fundação Getúlio
Vargas, no Rio de Janeiro – conforme já mencionado anteriormente;
História Oral Historicista: tendência surgida entre os ingleses como
possibilidade de “recuperar” toda uma sociedade passada. Utilizava a
documentação oral como possibilidade de preencher “lacunas” no “resgate” dos
fatos históricos do passado. E, segundo esta perspectiva, desenvolveram-se
inúmeros projetos com a finalidade de “resgatar a memória” de uma instituição, um
bairro, uma cidade, “recuperar” o passado perdido de uma personagem, um
projeto histórico ou uma sociedade;
História dos Vencidos: dedicou-se a resgatar a história dos movimentos
sociais ou políticos que tiveram suas demandas vencidas e perseguidas, em
muitos casos quase se apagando da história. Conseguiram manter com êxito os
últimos traços de acontecimentos que não tiveram os registros escritos
conservados ou que foram distorcidos pelos “vencedores”;
Gente Comum: trabalhou na fronteira entre a história e a antropologia,
objetivando voltar-se às pessoas comuns marginalizadas social e
economicamente. Foi somente em 1970 que se disseminou o estudo dos setores
minoritários da sociedade, especialmente nos Estados Unidos e México. No Brasil,
a partir da década de 90 vêm surgindo trabalhos voltados aos setores
marginalizados da população, como os índios, os imigrantes, os favelados ou as
crianças de rua. Na seqüência, o surgimento da história oral política, voltada à
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gente comum e ordinária. Em geral, história militante, que não se detém em
apenas constatar a realidade, mas objetivando mudá-la;
História Oral Metalingüística: é caracterizada na medida em que se dá mais
valor ao depoimento oral como tal do que à informação nele contida. Dessa forma,
foi dada mais atenção não só aos conteúdos da memória, mas também à forma
que essas memórias tomam quando narradas. O que interessa é a subjetividade
do narrador e os processos pelos quais os indivíduos expressam o sentido de si
mesmo na história. Nessa abordagem a narrativa é considerada uma construção
consciente e eficiente da memória, e o passado é considerado em função das
necessidades do presente;
E, por fim, Gattaz aborda as tendências arquivística e biográfica. A primeira
é empregada por instituições e pesquisadores e objetiva a formação de arquivos
orais, que poderão ser utilizados por historiadores no futuro. É diferente das
demais tendências apresentadas porque não apresenta um viés interpretativo do
condutor das entrevistas e das suas análises. Podemos citar dois exemplos
representativos no Brasil: o Museu da Imagem e do Som e o Projeto Memória da
Imigração Judaica em São Paulo. Já a vertente biográfica procura, através dos
testemunhos, refletir sobre a vida de uma personagem, geralmente pública, mas
nem sempre das elites.
Assim, alertamos para o fato de que a gama de variedades de temas e
proposta “[...] faz com que se torne impossível homogeneizar condutas ou
conceitos, tornando, porém, imperioso que o pesquisador explicite em cada
trabalho ou pressupostos teórico-metodológicos adotados” (GATTAZ, 1998, p. 32).
Metodologia
O trabalho com a metodologia de história oral compreende todo um
conjunto de atividades anteriores e posteriores à gravação dos depoimentos.
Exigem-se, antes, a pesquisa e o levantamento de dados para a preparação dos
9
roteiros das entrevistas. Quando a pesquisa é feita por uma instituição que visa a
constituir um acervo de depoimento aberto ao público, é necessário cuidar da
duplicação das gravações, da conservação e do tratamento do material gravado.
Neves atenta para o limite de que a
aplicabilidade do método somente a épocas contemporâneas, à
história do tempo presente; predomínio da subjetividade, o que no
entanto não deve ser considerado somente um problema, mas sim
um desafio, tanto no que se refere à etapa de recolhimento do
depoimento, como no que se relaciona à fase de sua
interpretação; possíveis influências, mesmo que involuntária, do
transcritor da fita do conteúdo do documento escrito, oriundo do
documento oral; influência da conjuntura sobre o documento
produzido – o que possibilita alterações de visões sobre o mesmo
fato ou processos, à medida que o tempo transcorre e as
conjunturas se renovam; dificuldade de se registrar expressões de
rosto e emoções no documento escrito decorrente da entrevista.
(2003, p. 31).
Sugere, ainda, os cuidados no processamento e análise das entrevistas:
transcrição e reprodução com fidelidade, sem cortes nem acréscimo; conferência
da gravação junto com a transcrição para evitar erros; análise em consonância
com o projeto que motivou a entrevista.
A qualidade da entrevista depende do envolvimento do entrevistador, neste
sentido, Joutard sugere reconhecer a subjetividade do próprio entrevistador como
a primeira manifestação do espírito crítico, pois todo historiador lúcido sabe até
que ponto ele mesmo se projeta em qualquer pesquisa histórica.
O método qualitativo empregado à história oral inscreve-se em diferentes
procedimentos, principalmente nas áreas do conhecimento histórico e
antropológico.
Apresenta inúmeras potencialidades, entre as quais destacamos algumas
apontadas por Neves (2003): [...] revelar novos campos e temas para pesquisa;
apresentar novas hipóteses e versões sobre processos já analisados e
conhecidos; recuperar memórias locais, comunitárias, regionais, étnicas, de
gênero, nacionais [...], etc.
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Da mesma forma, também apresenta limites, que constituem desafios que o
pesquisador deve vencer, tais como: aplicabilidade do método somente a épocas
contemporâneas, à história do tempo presente; predomínio da subjetividade;
possível influência do transcritor da fita no conteúdo; influência da conjuntura
sobre o documento produzido; dificuldade de se registrar expressões faciais e as
emoções; entre outros. Ao mesmo tempo, esses limites tornam-se também
gratificantes desafios e podem estimular os pesquisadores que se utilizam dessa
prática, pois, consideradas as dificuldades, em decorrência, reconhece-se como
integrante da história, uma vez que ouvir o depoimento da vida de alguém é
também compartilhar e contribuir para a interação entre a experiência pessoal e o
elo com a história coletiva.
Neves sugere basicamente dois tipos de entrevistas, que podem ser
classificadas como: depoimento de história de vida e entrevistas temáticas. O
primeiro caso constitui-se geralmente por depoimentos mais aprofundados,
orientados por roteiros abertos, semi-estruturados ou estruturados, com o objetivo
de retratar a trajetória de vida de um determinado sujeito, desde a infância até o
presente. As histórias de vida, por sua vez, são classificadas em três tipos:
depoimento biográfico, com um único personagem histórico; pesquisa bibliográfica
múltipla, caracterizada por um conjunto de depoimentos de história de vida e
vinculada por um projeto de pesquisa; e pesquisa biográfica complementar, que
trata de depoimentos acoplados a um projeto de pesquisa para complementar as
informações colhidas em outras fontes, enriquecendo a pesquisa.
Já as entrevistas temáticas referem-se às experiências ou processos
específicos vivenciados ou testemunhados pelos entrevistados. As temáticas
podem constituir-se em desdobramento dos depoimentos de histórias de vida ou
compor um elenco específico, vinculado a um projeto de pesquisa, a uma
dissertação de mestrado ou a uma tese de doutoramento. Pode ainda indicar a
necessidade de se realizar entrevistas com outros integrantes do mesmo grupo, a
respeito de acontecimentos específicos que marcarão ou influenciarão a história
da organização ou definição de rumos e estratégias.
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As entrevistas temáticas focam ainda informações, versões e interpretações
de temas específicos, abordados em pesquisas, dissertações e teses, tais como:
movimentos sociais e culturais de determinadas cidades, produção literária de
épocas, memórias que sofreram fases políticas, movimentos estudantis, práticas
de ensino, formas de lazer, relação de gênero, entre outros.
As entrevistas devem ser dinâmicas, assim, o profissional deve ser hábil,
buscando respeitar ao máximo as características pessoais de cada depoente,
além disso, respeitar suas limitações, como por exemplo: a dificuldade em abordar
temas como a idade, origem social, etc. É fundamental atentar-se à neutralidade
de reações, evitando demonstrar espanto, discordância ou concordância. O
domínio do assunto pesquisado, bem como o vocabulário e terminologia são
condições indispensáveis para se estabelecer um bom vínculo de confiança entre
o depoente e o entrevistador. E cabe mais ao entrevistador ouvir do que falar,
lembrando sempre que o papel de contar a história, neste caso, é do depoente.
E conforme Neves, a organização das etapas para a aplicação do
procedimento de história oral é uma boa alternativa para melhor orientar o
pesquisador e a sua equipe, que podem ser seguidas por:
· definição do objeto de estudo ou do projeto de pesquisa: esta etapa subsidiará
informações que poderão eleger a história oral como procedimento. Um
objetivo bem definido e problematizado é um excelente início para qualquer
pesquisa. O pesquisador e demais membros da equipe devem exercer
exaustiva investigação sobre o assunto (prévia leitura bibliográfica, pesquisa
documental, entre outros);
· preparação da entrevista ou depoimento: procedimento que deve estar
orientado por um projeto de pesquisa previamente elaborado. Escolher,
também, os critérios para a definição dos potenciais entrevistados. As
pessoas-chave são nucleares e servem como referência para a seleção dos
demais entrevistados;
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· preparação de roteiros: devem conter a síntese das questões levantadas
durante a pesquisa nas fontes bibliográficas, em fontes primárias e nas
informações colhidas no primeiro contato com a pessoa que será entrevistada.
· realização das entrevistas: recomenda-se a aplicação por dois pesquisadores.
O primeiro conduz o depoimento e o segundo fica responsável pelas atividades
de apoio (com gravador, anotações de informações relevantes, etc.);
· processamento e análise das entrevistas: primar pela fidelidade nas
transcrições das fitas e na conferência desse processo. Análise sistemática e
minuciosa de todo o material.
No que diz respeito às contribuições da psicologia e da psicanálise,
acrescentamos e/ou reforçamos algumas orientações, com base em Tavares
(2000). A primeira delas está voltada para o entrevistador, que precisa
desenvolver bem as suas competências na condução da entrevista, pois o
resultado e o sucesso de uma entrevista dependem largamente da sua
experiência, da sua habilidade e do seu domínio da técnica.
E entre as competências desejáveis, destacamos que o entrevistador deve
estar presente, no sentido de estar inteiramente disponível para o outro naquele
momento e assim, poder ouvi-lo, sem a interferência de questões pessoais; ajudar
o entrevistado a se sentir à vontade e a desenvolver um bom vínculo, o que pode
facilitar para baixar a tensão e obter um bom resultado no processo de
investigação; deve ter facilidade de expressão não só dos motivos que o
motivaram a solicitar a entrevista, como também, clareza nos questionamentos
levantados; buscar esclarecimentos para colocações vagas e incompletas; precisa
ser gentil e, cuidadosamente, tentar confrontar esquivas e contradições; tolerar a
ansiedade relacionada aos temas evocados na entrevista; reconhecer defesas e
dificuldades da pessoa; assumir iniciativa em momentos de impasse; e dominar a
técnica.
Por fim, conscientizar-se de que está lidando com seres humanos,
consequentemente poderá também deparar-se com resistências, angústias,
13
lembranças não agradáveis e outras variáveis que podem causar desconforto ou
reprimir a memória e a vontade em colaborar.
O que são narrativas?
As narrativas tratam de outro conjunto de procedimentos e técnicas, hoje
muito presentes nas pesquisas, dissertações e teses educacionais brasileiras.
Conforme as contribuições de Cunha (1998) em: As Narrativas como
Explicitadoras e como produtoras do conhecimento, que corresponde ao quarto
capítulo da sua obra - com base em diferentes teóricos sobre o assunto, as
inúmeras pesquisas qualitativas, em especial na área de educação de
professores, mostram que a teorização sobre esta metodologia vem crescendo,
acompanhada de uma significativa prática investigatória. É [...] um processo
profundamente emancipatório, em que o sujeito aprende a produzir sua própria
formação, autodeterminando a sua trajetória [...] (p. 40).
Obviamente, é pré-requisito que a pessoa esteja disposta a analisar-se
criticamente, colocar em dúvidas, suas crenças e seus valores, des-construir e
reconstruir o seu processo histórico a fim de melhor compreendê-los. Dessa
forma, só seremos capazes de modificar e transformar a realidade ao
examinarmos criticamente os pressupostos sobre os quais essa realidade foi
construída. E
o professor constrói sua performance a partir de inúmeras
referências. Entre elas estão sua história familiar, sua trajetória
escolar e acadêmica, sua convivência com o ambiente de trabalho,
sua inserção cultural no tempo e no espaço. Provocar que ele
organize narrativas dessa referência é fazê-lo viver um processo
profundamente pedagógico, onde sua condição existencial é o
ponto de partida para a construção de seu desempenho na vida e
na profissão [...] (CUNHA, 1998, p. 41).
14
E a narração pode ser considerada como uma reconstituição do passado a
partir do presente. As falas correspondem ao acesso da consciência da pessoa.
Neste processo de reflexão, a narração como procedimento de pesquisa serve, ao
mesmo tempo, como alternativa de formação, pois permite desvendar os mistérios
do próprio sujeito que, muitas vezes, não tinha sido estimulado a expressar
organizadamente esses pensamentos.
No geral, temos dificuldade em falar ou escrever sobre o vivido. É como se
a trajetória cultural da escola embotasse essa habilidade e o individualismo social
também não favorece este exercício. Além disso, somam-se os fatos de o saber
cotidiano distanciar-se do conhecimento científico e de o sistema social envolver
as pessoas numa espiral de ação sem reflexão, pois fazemos as coisas porque
todos fazem, porque nos disseram que assim é que se age, porque a mídia dita os
padrões sociais.
Dessa forma, agimos, muitas vezes, de acordo com o ponto de vista dos
outros e abrimos mão da nossa identidade, da nossa liberdade de ver e agir sobre
o mundo e da nossa própria capacidade de entender o significado das coisas.
Então, a perspectiva de trabalhar com as narrativas tem o propósito de fazer as
pessoas tornarem-se visíveis para elas mesmas. Trata-se [..] de um diálogo entre
a prática vivida e as construções teóricas formuladas nestas vivências. É a idéia
de ação-reflexão [...] (CUNHA, 1998, p. 42).
No âmbito do ensino e na formação de professores, as narrativas têm sido
chamadas de história de vida ou memória pedagógica. No âmbito educacional se
revela ainda pela produção de memórias para concursos para o magistério,
resultando em livros ou artigos. Mas não é tanto o produto das narrativas o que
mais interessa, mas, sim, o processo de produção pelo qual vive o sujeito: [...] de
quem é a voz que fala, de onde se dá essa fala, em que circunstâncias ela é produzida e
porque são as suas revelações, quais e por que são as suas ocultações, etc.(Ibidem, p.
44).
O uso das narrativas não tem objetivo pedagógico, apesar de que a recuperação
histórica dos sujeitos mobiliza emoções de sentimentos, de perdas e de alegrias. No
entanto, o trato desses dados narrados deve ser canalizado para os objetivos a que se
propõem, ou seja, o reconhecimento e a reflexão do sujeito sobre si mesmo para melhor
15
reconhecer-se com profissional educador. Assim, o objetivo da sua utilização é ajudar os
estudantes e os professores a problematizar a especificidade histórica da produção de
suas posições de sujeitos e os modos de sociabilidade que construíram nas suas
trajetórias de vida.
No campo da pesquisa, as narrativas são utilizadas como instrumento de coletas
de dado, pois a investigação de caráter qualitativo tem sido o mérito de explorar e
organizar o potencial humano, produzindo conhecimento sistematizado através dele. A
pesquisa também é importante para entender a relação dialética entre a teoria e a
realidade, pois, ao mesmo tempo em que é uma investigação, representa uma formação.
Considerações finais:
A história não é algo que se apaga facilmente. Por mais que se tente
abafar, ela provoca um movimento, tal qual um líquido vazante, sem solução
vedante que dê conta. A história é parte da cultura, do desenvolvimento e da
educação do homem e da sua civilização. É fragmento indelével, quer se aceite ou
não. Decca (1998, p. 24) sustenta que:
às vezes, temos a impressão de que a história procura se
comunicar, nesse seu retorno à narrativa, como este seu elo
perdido, que é a tradição dos relatos orais que tiveram e ainda tem
grande significado para a manutenção das memórias coletivas.
Narrar é uma maneira que nossa cultura encontrou de lidar com o
tempo e com o anunciado retorno da narrativa, talvez seja um sinal
de uma reorientação das relações entre passado, presente e
futuro.
Vale expressar os desafios propostos por Joutard: acompanhar a rápida
evolução das tecnologias; provocar reflexão metodológica ligada aos debates com
as disciplinas afins: sociologia, etnologia ou lingüística; articular e fazer dialogar os
diversos projetos e produções de história oral representados por: universitários,
arquivistas, museógrafos, pedagogos, jornalistas, etc; “descobrir os analfabetos”
num mundo de civilização escrita de diversos países, submetida a diferentes tipos
16
de opressões raciais ou políticas, sem contar os deficientes físicos; trabalhar
situações históricas extremas que acarretam profundo traumatismo na memória; e
lembrar que para ser realmente “a ciência dos homens do tempo”, a história deve
ser também uma arte. (2002, p. 58-60) E,
[...] o maior desafio da história oral [...] é contribuir para que as
lembranças continuem vivas e atualizadas, não se transformando
em exaltação ou crítica pura e simples do que passou, mas sim em
meio de vida, em procura permanente de escombros, que possam
contribuir para estimular e reativar o diálogo do presente com o
passado (NEVES, 2003).
São tantas as contribuições e as mudanças ocorridas, que é evidente a
impossibilidade de explorar todos os assuntos relacionados neste estudo. Mas
consideramos relevante abordar a valorização e o espaço que as pessoas, as
famílias, as comunidades têm ganhado com essa possibilidade de análise
qualitativa, em detrimento da análise quantitativa. O mesmo ganho deve ser
considerado como opção ao meio acadêmico.
Ainda, a abordagem possibilitou reconhecer a subjetividade e as possíveis
“distorções” da memória e da narrativa, não como obstáculo, mas como elemento
opcional de compreensão para o campo da pesquisa. E assim, essa tendência
traz vida à história oral, respeitando também o sujeito em função do seu interior e
não somente em relação aos fatores externos a ele.
Concluímos esta exposição com a abordagem da concepção marxista do
indivíduo, quando Scaff (1967) argumenta que o nascimento das correntes
socialistas se deu como forma de protesto ao ódio constante nas relações entre os
homens. Então, o socialismo se pretende uma teoria da felicidade, pois
o indivíduo humano encontra-se dentro da sociedade de acordo
com a sua gênese e o seu caráter social, mas confirma, até certo
ponto, o indivíduo autônomo. O indivíduo real e concreto, o
autêntico criador da história, é o fundamental – como verdadeiro
objeto das preocupações e das ações – mesmo quando se fala em
classes e sua luta, bem como quando o tema das considerações
liga-se às leis que regem a história [...] (p. 54-55).
17
A atitude e o objetivo de homem real são criar história. A espécie homo
sapiens não se distingue na natureza somente por suas propriedades biológicas,
mas também pelas suas propriedades sócio-históricas.
Então, além de um produto da evolução biológica, o homem é um produto
histórico e mutável nas diferentes etapas da evolução da sociedade, conforme
pertença a uma ou a outra classe e camadas da mesma sociedade. Não somos
seres abstratos, fora do mundo. O homem é o mundo dos homens, estado e
sociedade. E, ao mesmo tempo em que somos produto da sociedade, também
somos criadores dela.
Bibliografia
CUNHA, M. I. O professor universitário na transição de paradigmas.
Araraquara: JM Editora, 1998.
DECCA, Edgar Salvadori de. Questões teórico-metodológicas da história. In
SAVIANI, Demerval: LOMBARDI, José Claudinei: SANFELICE, José Luis (Orgs.).
História e História da Educação. Campinas, SP: Autores Associados, 1998.
GATTAZ, A. C. Meio século de história oral. Revista do Núcleo de Estudos de
História Oral, São Paulo, n. 0, 21-33, 1998.
JOUTARD, P. História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25
anos. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Orgs.). Usos e abusos da história oral.
5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002.
NEVES, L. A. Memória e história: potencialidades da história oral. ArtCultura,
Uberlândia, nº 6, 27-38, 2003.
O QUE é história oral. Disponível em <http:// www.cpdoc.fgv.br/comum/htm>.
Acesso em 09 mai. 2007.
SCHAFF, Adam. O marxismo e o indivíduo. São Paulo: Civilização Brasileira,
1967.
TAVARES, Marcelo. A entrevista clínica. In: Cunha, Jurema Alcides e
colaboradores. Psicodiagnóstico V. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000
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