sexta-feira, 8 de outubro de 2010

De olho no Artigo!

HISTÓRIA ORAL, FONTES DOCUMENTAIS E NARRATIVAS COMO
RECURSOS METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO1



  1. Jurandir dos Santos2
    Resumo
    Este texto discute as possibilidades de análise qualitativa, como opção de pesquisa,
    principalmente no campo da educação, através da história oral, das fontes documentais e
    das narrativas. Faz breve balanço da evolução da história oral no Brasil e no mundo, a partir
    dos anos 50, além das influências e utilizações dos historiadores, antropólogos, cientistas
    políticos, sociólogos, psicólogos, pedagogos, educadores, entre outros profissionais. No
    Brasil, a técnica foi introduzida pelo Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
    Documentação Histórica Contemporânea – CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio
    de Janeiro. Após, tratamos de uma difícil tarefa, que é a de conceituar história oral, pois
    existem diferentes visões e múltiplas aplicações, o que ao mesmo tempo constitui
    significativa riqueza que esse trabalho pode oferecer. Abordamos diferentes tipos de
    história oral, como é o caso da História das Elites, da História Oral Historicida, História dos
    Vencidos, Gente Comum, História Oral Metalingüística e as tendências Arquivística e
    Bibliográfica. No que se refere à metodologia, apresentamos dois tipos de entrevistas:
    depoimentos de história de vida e entrevistas temáticas. E as importantes dicas na forma de
    colher informações, respeitando os procedimentos adequados em cada uma dessas etapas:
    definição do problema ou do projeto de pesquisa, preparação da entrevista ou do
    depoimento, preparação do roteiro, realização das entrevistas processamento e análise das
    entrevistas. Como as entrevistas tratam de material humano, não poderíamos deixar de
    incluir as contribuições da psicologia e da psicanálise, como forma de resgatar os cuidados
    com as pessoas no processo de entrevista, bem como as competências que se esperam do
    entrevistador. Depois disso, abordamos e conceituamos as narrativas ou história de vida ou,
    ainda, memória pedagógica, como também são chamadas, e a sua utilização no campo da
    pesquisa e como instrumento de coletas de dados. E procuramos entender a relação
    dialógica entre a teoria e a realidade, mas sempre reconhecendo o sujeito e a sua história
    pessoal e profissional. Assim, o reconhecimento da história como parte da cultura, do
    desenvolvimento e da educação do homem e da sua civilização contribui para que as
    lembranças continuem vivas e atualizadas. Finalizamos o trabalho explorando a visão
    marxista do indivíduo e o resgate do homem real e concreto, não somente como criador,
    mas também como produto histórico da sociedade.
    Palavras-chave: História Oral, Fontes Documentais, Narrativas, História de
    Vida, Formação de Professores.
    1 Trabalho apresentado no III Seminário de Educação: Memórias, Histórias e Formação de Professores, Núcleo de
    Pesquisa e Extensão Vozes da Educação, UFRJ, 2007, São Gonçalo. Rio de Janeiro; e publicado no Portal Programa Rede
    Social Senac São Paulo, 05 nov 2008 (http://www.zonadigital.com.br/redes)
    2 www.jurandirsantos.com.br / contato@jurandirsantos.com.br
    2
    HISTÓRIA ORAL, FONTES DOCUMENTAIS E NARRATIVAS COMO
    RECURSOS METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO
    Jurandir dos Santos
    Introdução
    Iniciamos este trabalho abordando o desafio que os educadores,
    historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos e outros profissionais da
    atualidade - envolvidos com o tema - em definir o conceito de história oral,
    principalmente pela diversidade de visões e aplicações empregadas por essa
    metodologia.
    Neves sustenta que
    [...] nenhuma história, enquanto processo e construção da
    trajetória da humanidade ao longo dos tempos, é oral. A história da
    humanidade, em sua concretude, constitui-se pela inter-relação de
    fatos, processos e dinâmicas que, através da dialética,
    transformam as condições de vida do ser humano ou as mantém
    como estão.
    São muitos os movimentos da história e se traduzem por mudanças lentas
    ou rápidas, pela conservação ou não das ordens sociais, políticas e econômicas.
    A memória é a principal fonte dos depoimentos orais e há ligação direta
    entre o tempo e a história, com o objetivo de construir ligações entre as fontes ou
    documentos, que podem subsidiar na pesquisa ou formar acervos para os centros
    de documentação e de pesquisa.
    Então, mais adiante, teremos oportunidade de discutir outros aspectos
    relacionados ao assunto, desde a história no Brasil e no mundo, trazer uma breve
    definição do que é história oral, a metodologia utilizada, as contribuições da
    psicologia e da psicanálise, entre outros aspectos.
    Como se trata de um conjunto de procedimentos e de técnicas
    relativamente novos, com cerca de sessenta anos de existência, a história oral
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    exige cuidados na sua compreensão e aplicação, como teremos oportunidade de
    demonstrar neste texto.
    Em especial destacamos a riqueza dos procedimentos oferecidos por meio
    da história oral e da análise das fontes documentais para a área da educação,
    como pesquisa qualitativa, pois podem possibilitar o resgate de informações
    importantes sobre determinados assuntos que se pretende pesquisar.
    Outra tendência importante para a pesquisa qualitativa em educação,
    discutida neste trabalho, são as narrativas, sobretudo, para o resgate da pessoa
    do educador na sua história de vida e na sua atuação profissional.
    Todos os assuntos refletem conhecimentos relativamente novos no Brasil e
    no mundo, e suas aplicações devem ser feitas com muito cuidado e respeito aos
    procedimentos sugeridos pelos teóricos abordados, para garantir o melhor
    aproveitamento das técnicas, preservar as informações coletadas e respeitar as
    pessoas envolvidas, principalmente os depoentes.
    Breve histórico da História Oral
    A história oral começou a ser realizada nos anos 50, após a invenção do
    gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México. Desde então, difundiu-se
    bastante e ganhou cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre os
    que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos,
    psicólogos, pedagogos, profissionais da literatura, etc.
    Joutard (2002) apresenta um interessante trabalho historiográfico a respeito
    do assunto. Seu texto trata de um balanço sistemático a partir de diversos
    trabalhos individuais ou coletivos, procurando mostrar a evolução da prática, no
    que diz respeito aos métodos e ao papel da história oral, no conjunto da
    historiografia contemporânea. Discorre brevemente sobre a história africana, que
    nos seus primórdios se serviu de fontes orais, passando pelo século XVII, período
    em que o procedimento é criticado, pois acreditavam não haver rigor científico. A
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    reintrodução da técnica ocorreu na segunda metade do século XX, apesar de
    ainda não ser bem recebida pelos historiadores, exceto nos Estados Unidos, seu
    precursor, que levaram em consideração a originalidade dos fatos; a contribuição
    da história (temas e períodos e a relação da história oral com outras disciplinas
    que se utilizam da pesquisa, como a sociologia, a pesquisa, etc; e os novos
    problemas suscitados pela utilização da fonte oral.
    O autor classifica quatro gerações de historiadores dedicados ao tema:
    A primeira surgiu nos Estados Unidos, nos anos 50 - conforme já citado –
    ao lado das ciências políticas, que se ocupavam somente dos notáveis, com
    intenção de coligir material para os historiadores. Instrumentos que seriam
    utilizados por futuros biógrafos. Era um trabalho sem reflexão metodológica e que
    serviu aos Correspondentes Documentais do Comitê de História da II Guerra
    Mundial. Em 1956, registram-se os arquivos sonoros do Instituto Nacional de
    Antropologia, para a recordação dos chefes da revolução mexicana.
    A segunda geração de historiadores surgiu no fim dos anos 60, na Itália,
    com sociólogos e antropólogos próximos ao partido da esquerda. Utilizavam a
    história oral para reconstruir a cultura popular. Essa nova geração desenvolve
    “uma nova história”, através da antropologia, pretende dar voz aos povos sem
    história, iletrados; valoriza os vencidos, os marginais e as diversas minorias:
    operários, negros, mulheres. Uma história que se pretende militante e se acha à
    margem do mundo universitário. Foi praticada por não profissionais, educadores e
    sindicalistas, e os movimentos pregavam o não conformismo sistemático.
    Posteriormente, essa forma de história difunde-se ainda mais na Inglaterra e na
    América Latina (Argentina).
    1975 é marcado pela terceira geração, quando acontece o Congresso
    Internacional de Ciências Históricas de San Francisco. O período é destacado
    pela multiplicação de instâncias de discussão sobre história oral, pela aceitação
    dos procedimentos nas universidades, aproximação com museus e arquivos, pela
    proliferação de trabalhos e pesquisas, pela comunidade de pessoas envolvidas
    para trabalhos direcionados, pelas reflexões epistemológicas e metodológicas
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    acerca do tema. A França adota a história oral como um meio pedagógico eficaz
    de motivar os alunos.
    A quarta geração ficou caracterizada na década de 90, com o início de uma
    nova geração – dos nascidos nos anos 60. Nesse período, valorizam-se mais a
    subjetividade, como conseqüência ou como finalidade da história oral. Entre outros
    fatores, o desenvolvimento da tecnologia foi um forte aliado no aperfeiçoamento
    das técnicas utilizadas, como é o caso do vídeo.
    No Brasil, especificamente, a metodologia foi introduzida na década de
    1970, quando foi criado o Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e
    Documentação em História Contemporânea no Brasil – CPDOC. A partir dos anos
    90, o movimento em torno da história oral cresceu muito. Em 1994, foi criada a
    Associação Brasileira de História Oral, que congrega membros de todas as
    regiões do país, reúne-se periodicamente em encontros regionais e nacionais, e
    edita uma revista e um boletim. Dois anos depois, em 1996, foi criada a
    Associação Internacional de História Oral, que realiza congressos bianuais e
    também edita uma revista e um boletim. Atualmente, no mundo inteiro é intensa a
    publicação de livros, revistas especializadas e artigos sobre história oral. Há
    inúmeros programas e pesquisas que utilizam os relatos pessoais sobre o
    passado para o estudo dos mais variados temas.
    O que é História Oral?
    A história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar
    entrevistas induzidas, estimuladas e gravadas, com pessoas que podem
    testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modo de vida ou
    outros aspectos da história contemporânea. E [...] move-se em terreno
    pluridisciplinar, pois utiliza muitas vezes música, literatura, lembranças, fontes
    iconográficas, documentação escrita, entre outras, para estimular a memória
    (NEVES, 2003).
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    As entrevistas de história oral são tomadas como fontes para a
    compreensão do passado, ao lado de documentos escritos, imagens e outros tipos
    de registro. Caracterizam-se por serem produzidas a partir de um estímulo, pois o
    pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas, geralmente depois de
    consumado o fato ou a conjuntura que se quer investigar.
    De acordo com Joutard, existe dupla história oral, que pode estar voltada
    para a política – neste caso, a entrevista serve como complemento aos
    documentos escritos, e com foco na antropologia – quando confere à história oral
    maior dimensão e riqueza metodológica como várias experiências não
    combinadas: o mundo do trabalho, o fenômeno migratório, a problemática dos
    gêneros e a construção das identidades.
    Decca considera
    que a apreensão do real, ao invés de ser possível apenas por rigor
    matemático, pode ser realizada por efeito poético, como bem
    demonstra, ate hoje, a literatura, a poesia, e por que não, a
    história. Isto não comprometeria as bases científicas da história,
    aliás poderia até renovar os ares de uma árida ciência que
    prevaleceu e fincou raízes [...](1998, p. 23).
    Além disso, todo esse conjunto de documentos de tipo biográfico, ao lado
    de memórias e autobiografias, etc., permite compreender como indivíduos
    experimentam e interpretam acontecimentos, situações e modos de vida de um
    grupo ou da sociedade em geral. Isso torna o estudo da história mais concreto e
    próximo, facilitando a apreensão do passado pelas gerações futuras e a
    compreensão das experiências vividas por outros. E, ainda,
    os documentos como alguns já disseram, não falam por si, os
    historiadores obrigam que eles falem, inclusive, a respeito de seus
    próprios silêncios. E para realizar tal procedimento, utilizamo-nos
    de teorias e de procedimentos metodológicos que são, por sua
    vez, lugares de linguagem, modos de narratividade (DECCA, 1998,
    p. 23).
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    No trabalho desenvolvido por Gattaz (1998) podemos analisar outros tipos
    de história oral, com diferentes ou complementares objetivos e focos, que refletem
    as tendências mais significativas, dividas em seis partes, a saber:
    História das Elites: inicia projetos com vistas a entrevistar pessoas
    “significantes” da sociedade e da política, retratando a sua história e elegendo os
    informantes de acordo com o papel desempenhado nos acontecimentos. No
    Brasil, a história das elites políticas e econômicas decorreu da ditadura militar, a
    partir do exercício de censura e controle no trabalho acadêmico e social, voltado
    às classes subalternas da população, e, ao mesmo tempo, do estímulo aos
    registros dos feitos dos grandes líderes. O primeiro centro sistematizado de
    recolhimento de depoimentos orais no País foi CPDOC da Fundação Getúlio
    Vargas, no Rio de Janeiro – conforme já mencionado anteriormente;
    História Oral Historicista: tendência surgida entre os ingleses como
    possibilidade de “recuperar” toda uma sociedade passada. Utilizava a
    documentação oral como possibilidade de preencher “lacunas” no “resgate” dos
    fatos históricos do passado. E, segundo esta perspectiva, desenvolveram-se
    inúmeros projetos com a finalidade de “resgatar a memória” de uma instituição, um
    bairro, uma cidade, “recuperar” o passado perdido de uma personagem, um
    projeto histórico ou uma sociedade;
    História dos Vencidos: dedicou-se a resgatar a história dos movimentos
    sociais ou políticos que tiveram suas demandas vencidas e perseguidas, em
    muitos casos quase se apagando da história. Conseguiram manter com êxito os
    últimos traços de acontecimentos que não tiveram os registros escritos
    conservados ou que foram distorcidos pelos “vencedores”;
    Gente Comum: trabalhou na fronteira entre a história e a antropologia,
    objetivando voltar-se às pessoas comuns marginalizadas social e
    economicamente. Foi somente em 1970 que se disseminou o estudo dos setores
    minoritários da sociedade, especialmente nos Estados Unidos e México. No Brasil,
    a partir da década de 90 vêm surgindo trabalhos voltados aos setores
    marginalizados da população, como os índios, os imigrantes, os favelados ou as
    crianças de rua. Na seqüência, o surgimento da história oral política, voltada à
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    gente comum e ordinária. Em geral, história militante, que não se detém em
    apenas constatar a realidade, mas objetivando mudá-la;
    História Oral Metalingüística: é caracterizada na medida em que se dá mais
    valor ao depoimento oral como tal do que à informação nele contida. Dessa forma,
    foi dada mais atenção não só aos conteúdos da memória, mas também à forma
    que essas memórias tomam quando narradas. O que interessa é a subjetividade
    do narrador e os processos pelos quais os indivíduos expressam o sentido de si
    mesmo na história. Nessa abordagem a narrativa é considerada uma construção
    consciente e eficiente da memória, e o passado é considerado em função das
    necessidades do presente;
    E, por fim, Gattaz aborda as tendências arquivística e biográfica. A primeira
    é empregada por instituições e pesquisadores e objetiva a formação de arquivos
    orais, que poderão ser utilizados por historiadores no futuro. É diferente das
    demais tendências apresentadas porque não apresenta um viés interpretativo do
    condutor das entrevistas e das suas análises. Podemos citar dois exemplos
    representativos no Brasil: o Museu da Imagem e do Som e o Projeto Memória da
    Imigração Judaica em São Paulo. Já a vertente biográfica procura, através dos
    testemunhos, refletir sobre a vida de uma personagem, geralmente pública, mas
    nem sempre das elites.
    Assim, alertamos para o fato de que a gama de variedades de temas e
    proposta “[...] faz com que se torne impossível homogeneizar condutas ou
    conceitos, tornando, porém, imperioso que o pesquisador explicite em cada
    trabalho ou pressupostos teórico-metodológicos adotados” (GATTAZ, 1998, p. 32).
    Metodologia
    O trabalho com a metodologia de história oral compreende todo um
    conjunto de atividades anteriores e posteriores à gravação dos depoimentos.
    Exigem-se, antes, a pesquisa e o levantamento de dados para a preparação dos
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    roteiros das entrevistas. Quando a pesquisa é feita por uma instituição que visa a
    constituir um acervo de depoimento aberto ao público, é necessário cuidar da
    duplicação das gravações, da conservação e do tratamento do material gravado.
    Neves atenta para o limite de que a
    aplicabilidade do método somente a épocas contemporâneas, à
    história do tempo presente; predomínio da subjetividade, o que no
    entanto não deve ser considerado somente um problema, mas sim
    um desafio, tanto no que se refere à etapa de recolhimento do
    depoimento, como no que se relaciona à fase de sua
    interpretação; possíveis influências, mesmo que involuntária, do
    transcritor da fita do conteúdo do documento escrito, oriundo do
    documento oral; influência da conjuntura sobre o documento
    produzido – o que possibilita alterações de visões sobre o mesmo
    fato ou processos, à medida que o tempo transcorre e as
    conjunturas se renovam; dificuldade de se registrar expressões de
    rosto e emoções no documento escrito decorrente da entrevista.
    (2003, p. 31).
    Sugere, ainda, os cuidados no processamento e análise das entrevistas:
    transcrição e reprodução com fidelidade, sem cortes nem acréscimo; conferência
    da gravação junto com a transcrição para evitar erros; análise em consonância
    com o projeto que motivou a entrevista.
    A qualidade da entrevista depende do envolvimento do entrevistador, neste
    sentido, Joutard sugere reconhecer a subjetividade do próprio entrevistador como
    a primeira manifestação do espírito crítico, pois todo historiador lúcido sabe até
    que ponto ele mesmo se projeta em qualquer pesquisa histórica.
    O método qualitativo empregado à história oral inscreve-se em diferentes
    procedimentos, principalmente nas áreas do conhecimento histórico e
    antropológico.
    Apresenta inúmeras potencialidades, entre as quais destacamos algumas
    apontadas por Neves (2003): [...] revelar novos campos e temas para pesquisa;
    apresentar novas hipóteses e versões sobre processos já analisados e
    conhecidos; recuperar memórias locais, comunitárias, regionais, étnicas, de
    gênero, nacionais [...], etc.
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    Da mesma forma, também apresenta limites, que constituem desafios que o
    pesquisador deve vencer, tais como: aplicabilidade do método somente a épocas
    contemporâneas, à história do tempo presente; predomínio da subjetividade;
    possível influência do transcritor da fita no conteúdo; influência da conjuntura
    sobre o documento produzido; dificuldade de se registrar expressões faciais e as
    emoções; entre outros. Ao mesmo tempo, esses limites tornam-se também
    gratificantes desafios e podem estimular os pesquisadores que se utilizam dessa
    prática, pois, consideradas as dificuldades, em decorrência, reconhece-se como
    integrante da história, uma vez que ouvir o depoimento da vida de alguém é
    também compartilhar e contribuir para a interação entre a experiência pessoal e o
    elo com a história coletiva.
    Neves sugere basicamente dois tipos de entrevistas, que podem ser
    classificadas como: depoimento de história de vida e entrevistas temáticas. O
    primeiro caso constitui-se geralmente por depoimentos mais aprofundados,
    orientados por roteiros abertos, semi-estruturados ou estruturados, com o objetivo
    de retratar a trajetória de vida de um determinado sujeito, desde a infância até o
    presente. As histórias de vida, por sua vez, são classificadas em três tipos:
    depoimento biográfico, com um único personagem histórico; pesquisa bibliográfica
    múltipla, caracterizada por um conjunto de depoimentos de história de vida e
    vinculada por um projeto de pesquisa; e pesquisa biográfica complementar, que
    trata de depoimentos acoplados a um projeto de pesquisa para complementar as
    informações colhidas em outras fontes, enriquecendo a pesquisa.
    Já as entrevistas temáticas referem-se às experiências ou processos
    específicos vivenciados ou testemunhados pelos entrevistados. As temáticas
    podem constituir-se em desdobramento dos depoimentos de histórias de vida ou
    compor um elenco específico, vinculado a um projeto de pesquisa, a uma
    dissertação de mestrado ou a uma tese de doutoramento. Pode ainda indicar a
    necessidade de se realizar entrevistas com outros integrantes do mesmo grupo, a
    respeito de acontecimentos específicos que marcarão ou influenciarão a história
    da organização ou definição de rumos e estratégias.
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    As entrevistas temáticas focam ainda informações, versões e interpretações
    de temas específicos, abordados em pesquisas, dissertações e teses, tais como:
    movimentos sociais e culturais de determinadas cidades, produção literária de
    épocas, memórias que sofreram fases políticas, movimentos estudantis, práticas
    de ensino, formas de lazer, relação de gênero, entre outros.
    As entrevistas devem ser dinâmicas, assim, o profissional deve ser hábil,
    buscando respeitar ao máximo as características pessoais de cada depoente,
    além disso, respeitar suas limitações, como por exemplo: a dificuldade em abordar
    temas como a idade, origem social, etc. É fundamental atentar-se à neutralidade
    de reações, evitando demonstrar espanto, discordância ou concordância. O
    domínio do assunto pesquisado, bem como o vocabulário e terminologia são
    condições indispensáveis para se estabelecer um bom vínculo de confiança entre
    o depoente e o entrevistador. E cabe mais ao entrevistador ouvir do que falar,
    lembrando sempre que o papel de contar a história, neste caso, é do depoente.
    E conforme Neves, a organização das etapas para a aplicação do
    procedimento de história oral é uma boa alternativa para melhor orientar o
    pesquisador e a sua equipe, que podem ser seguidas por:
    · definição do objeto de estudo ou do projeto de pesquisa: esta etapa subsidiará
    informações que poderão eleger a história oral como procedimento. Um
    objetivo bem definido e problematizado é um excelente início para qualquer
    pesquisa. O pesquisador e demais membros da equipe devem exercer
    exaustiva investigação sobre o assunto (prévia leitura bibliográfica, pesquisa
    documental, entre outros);
    · preparação da entrevista ou depoimento: procedimento que deve estar
    orientado por um projeto de pesquisa previamente elaborado. Escolher,
    também, os critérios para a definição dos potenciais entrevistados. As
    pessoas-chave são nucleares e servem como referência para a seleção dos
    demais entrevistados;
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    · preparação de roteiros: devem conter a síntese das questões levantadas
    durante a pesquisa nas fontes bibliográficas, em fontes primárias e nas
    informações colhidas no primeiro contato com a pessoa que será entrevistada.
    · realização das entrevistas: recomenda-se a aplicação por dois pesquisadores.
    O primeiro conduz o depoimento e o segundo fica responsável pelas atividades
    de apoio (com gravador, anotações de informações relevantes, etc.);
    · processamento e análise das entrevistas: primar pela fidelidade nas
    transcrições das fitas e na conferência desse processo. Análise sistemática e
    minuciosa de todo o material.
    No que diz respeito às contribuições da psicologia e da psicanálise,
    acrescentamos e/ou reforçamos algumas orientações, com base em Tavares
    (2000). A primeira delas está voltada para o entrevistador, que precisa
    desenvolver bem as suas competências na condução da entrevista, pois o
    resultado e o sucesso de uma entrevista dependem largamente da sua
    experiência, da sua habilidade e do seu domínio da técnica.
    E entre as competências desejáveis, destacamos que o entrevistador deve
    estar presente, no sentido de estar inteiramente disponível para o outro naquele
    momento e assim, poder ouvi-lo, sem a interferência de questões pessoais; ajudar
    o entrevistado a se sentir à vontade e a desenvolver um bom vínculo, o que pode
    facilitar para baixar a tensão e obter um bom resultado no processo de
    investigação; deve ter facilidade de expressão não só dos motivos que o
    motivaram a solicitar a entrevista, como também, clareza nos questionamentos
    levantados; buscar esclarecimentos para colocações vagas e incompletas; precisa
    ser gentil e, cuidadosamente, tentar confrontar esquivas e contradições; tolerar a
    ansiedade relacionada aos temas evocados na entrevista; reconhecer defesas e
    dificuldades da pessoa; assumir iniciativa em momentos de impasse; e dominar a
    técnica.
    Por fim, conscientizar-se de que está lidando com seres humanos,
    consequentemente poderá também deparar-se com resistências, angústias,
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    lembranças não agradáveis e outras variáveis que podem causar desconforto ou
    reprimir a memória e a vontade em colaborar.
    O que são narrativas?
    As narrativas tratam de outro conjunto de procedimentos e técnicas, hoje
    muito presentes nas pesquisas, dissertações e teses educacionais brasileiras.
    Conforme as contribuições de Cunha (1998) em: As Narrativas como
    Explicitadoras e como produtoras do conhecimento, que corresponde ao quarto
    capítulo da sua obra - com base em diferentes teóricos sobre o assunto, as
    inúmeras pesquisas qualitativas, em especial na área de educação de
    professores, mostram que a teorização sobre esta metodologia vem crescendo,
    acompanhada de uma significativa prática investigatória. É [...] um processo
    profundamente emancipatório, em que o sujeito aprende a produzir sua própria
    formação, autodeterminando a sua trajetória [...] (p. 40).
    Obviamente, é pré-requisito que a pessoa esteja disposta a analisar-se
    criticamente, colocar em dúvidas, suas crenças e seus valores, des-construir e
    reconstruir o seu processo histórico a fim de melhor compreendê-los. Dessa
    forma, só seremos capazes de modificar e transformar a realidade ao
    examinarmos criticamente os pressupostos sobre os quais essa realidade foi
    construída. E
    o professor constrói sua performance a partir de inúmeras
    referências. Entre elas estão sua história familiar, sua trajetória
    escolar e acadêmica, sua convivência com o ambiente de trabalho,
    sua inserção cultural no tempo e no espaço. Provocar que ele
    organize narrativas dessa referência é fazê-lo viver um processo
    profundamente pedagógico, onde sua condição existencial é o
    ponto de partida para a construção de seu desempenho na vida e
    na profissão [...] (CUNHA, 1998, p. 41).
    14
    E a narração pode ser considerada como uma reconstituição do passado a
    partir do presente. As falas correspondem ao acesso da consciência da pessoa.
    Neste processo de reflexão, a narração como procedimento de pesquisa serve, ao
    mesmo tempo, como alternativa de formação, pois permite desvendar os mistérios
    do próprio sujeito que, muitas vezes, não tinha sido estimulado a expressar
    organizadamente esses pensamentos.
    No geral, temos dificuldade em falar ou escrever sobre o vivido. É como se
    a trajetória cultural da escola embotasse essa habilidade e o individualismo social
    também não favorece este exercício. Além disso, somam-se os fatos de o saber
    cotidiano distanciar-se do conhecimento científico e de o sistema social envolver
    as pessoas numa espiral de ação sem reflexão, pois fazemos as coisas porque
    todos fazem, porque nos disseram que assim é que se age, porque a mídia dita os
    padrões sociais.
    Dessa forma, agimos, muitas vezes, de acordo com o ponto de vista dos
    outros e abrimos mão da nossa identidade, da nossa liberdade de ver e agir sobre
    o mundo e da nossa própria capacidade de entender o significado das coisas.
    Então, a perspectiva de trabalhar com as narrativas tem o propósito de fazer as
    pessoas tornarem-se visíveis para elas mesmas. Trata-se [..] de um diálogo entre
    a prática vivida e as construções teóricas formuladas nestas vivências. É a idéia
    de ação-reflexão [...] (CUNHA, 1998, p. 42).
    No âmbito do ensino e na formação de professores, as narrativas têm sido
    chamadas de história de vida ou memória pedagógica. No âmbito educacional se
    revela ainda pela produção de memórias para concursos para o magistério,
    resultando em livros ou artigos. Mas não é tanto o produto das narrativas o que
    mais interessa, mas, sim, o processo de produção pelo qual vive o sujeito: [...] de
    quem é a voz que fala, de onde se dá essa fala, em que circunstâncias ela é produzida e
    porque são as suas revelações, quais e por que são as suas ocultações, etc.(Ibidem, p.
    44).
    O uso das narrativas não tem objetivo pedagógico, apesar de que a recuperação
    histórica dos sujeitos mobiliza emoções de sentimentos, de perdas e de alegrias. No
    entanto, o trato desses dados narrados deve ser canalizado para os objetivos a que se
    propõem, ou seja, o reconhecimento e a reflexão do sujeito sobre si mesmo para melhor
    15
    reconhecer-se com profissional educador. Assim, o objetivo da sua utilização é ajudar os
    estudantes e os professores a problematizar a especificidade histórica da produção de
    suas posições de sujeitos e os modos de sociabilidade que construíram nas suas
    trajetórias de vida.
    No campo da pesquisa, as narrativas são utilizadas como instrumento de coletas
    de dado, pois a investigação de caráter qualitativo tem sido o mérito de explorar e
    organizar o potencial humano, produzindo conhecimento sistematizado através dele. A
    pesquisa também é importante para entender a relação dialética entre a teoria e a
    realidade, pois, ao mesmo tempo em que é uma investigação, representa uma formação.
    Considerações finais:
    A história não é algo que se apaga facilmente. Por mais que se tente
    abafar, ela provoca um movimento, tal qual um líquido vazante, sem solução
    vedante que dê conta. A história é parte da cultura, do desenvolvimento e da
    educação do homem e da sua civilização. É fragmento indelével, quer se aceite ou
    não. Decca (1998, p. 24) sustenta que:
    às vezes, temos a impressão de que a história procura se
    comunicar, nesse seu retorno à narrativa, como este seu elo
    perdido, que é a tradição dos relatos orais que tiveram e ainda tem
    grande significado para a manutenção das memórias coletivas.
    Narrar é uma maneira que nossa cultura encontrou de lidar com o
    tempo e com o anunciado retorno da narrativa, talvez seja um sinal
    de uma reorientação das relações entre passado, presente e
    futuro.
    Vale expressar os desafios propostos por Joutard: acompanhar a rápida
    evolução das tecnologias; provocar reflexão metodológica ligada aos debates com
    as disciplinas afins: sociologia, etnologia ou lingüística; articular e fazer dialogar os
    diversos projetos e produções de história oral representados por: universitários,
    arquivistas, museógrafos, pedagogos, jornalistas, etc; “descobrir os analfabetos”
    num mundo de civilização escrita de diversos países, submetida a diferentes tipos
    16
    de opressões raciais ou políticas, sem contar os deficientes físicos; trabalhar
    situações históricas extremas que acarretam profundo traumatismo na memória; e
    lembrar que para ser realmente “a ciência dos homens do tempo”, a história deve
    ser também uma arte. (2002, p. 58-60) E,
    [...] o maior desafio da história oral [...] é contribuir para que as
    lembranças continuem vivas e atualizadas, não se transformando
    em exaltação ou crítica pura e simples do que passou, mas sim em
    meio de vida, em procura permanente de escombros, que possam
    contribuir para estimular e reativar o diálogo do presente com o
    passado (NEVES, 2003).
    São tantas as contribuições e as mudanças ocorridas, que é evidente a
    impossibilidade de explorar todos os assuntos relacionados neste estudo. Mas
    consideramos relevante abordar a valorização e o espaço que as pessoas, as
    famílias, as comunidades têm ganhado com essa possibilidade de análise
    qualitativa, em detrimento da análise quantitativa. O mesmo ganho deve ser
    considerado como opção ao meio acadêmico.
    Ainda, a abordagem possibilitou reconhecer a subjetividade e as possíveis
    “distorções” da memória e da narrativa, não como obstáculo, mas como elemento
    opcional de compreensão para o campo da pesquisa. E assim, essa tendência
    traz vida à história oral, respeitando também o sujeito em função do seu interior e
    não somente em relação aos fatores externos a ele.
    Concluímos esta exposição com a abordagem da concepção marxista do
    indivíduo, quando Scaff (1967) argumenta que o nascimento das correntes
    socialistas se deu como forma de protesto ao ódio constante nas relações entre os
    homens. Então, o socialismo se pretende uma teoria da felicidade, pois
    o indivíduo humano encontra-se dentro da sociedade de acordo
    com a sua gênese e o seu caráter social, mas confirma, até certo
    ponto, o indivíduo autônomo. O indivíduo real e concreto, o
    autêntico criador da história, é o fundamental – como verdadeiro
    objeto das preocupações e das ações – mesmo quando se fala em
    classes e sua luta, bem como quando o tema das considerações
    liga-se às leis que regem a história [...] (p. 54-55).
    17
    A atitude e o objetivo de homem real são criar história. A espécie homo
    sapiens não se distingue na natureza somente por suas propriedades biológicas,
    mas também pelas suas propriedades sócio-históricas.
    Então, além de um produto da evolução biológica, o homem é um produto
    histórico e mutável nas diferentes etapas da evolução da sociedade, conforme
    pertença a uma ou a outra classe e camadas da mesma sociedade. Não somos
    seres abstratos, fora do mundo. O homem é o mundo dos homens, estado e
    sociedade. E, ao mesmo tempo em que somos produto da sociedade, também
    somos criadores dela.
    Bibliografia
    CUNHA, M. I. O professor universitário na transição de paradigmas.
    Araraquara: JM Editora, 1998.
    DECCA, Edgar Salvadori de. Questões teórico-metodológicas da história. In
    SAVIANI, Demerval: LOMBARDI, José Claudinei: SANFELICE, José Luis (Orgs.).
    História e História da Educação. Campinas, SP: Autores Associados, 1998.
    GATTAZ, A. C. Meio século de história oral. Revista do Núcleo de Estudos de
    História Oral, São Paulo, n. 0, 21-33, 1998.
    JOUTARD, P. História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25
    anos. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Orgs.). Usos e abusos da história oral.
    5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002.
    NEVES, L. A. Memória e história: potencialidades da história oral. ArtCultura,
    Uberlândia, nº 6, 27-38, 2003.
    O QUE é história oral. Disponível em <http:// www.cpdoc.fgv.br/comum/htm>.
    Acesso em 09 mai. 2007.
    SCHAFF, Adam. O marxismo e o indivíduo. São Paulo: Civilização Brasileira,
    1967.
    TAVARES, Marcelo. A entrevista clínica. In: Cunha, Jurema Alcides e
    colaboradores. Psicodiagnóstico V. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000

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